Jair Bolsonaro entrou em contagem regressiva. Na prática, só tem mais cinco meses — até abril — para compor e executar a agenda administrativa que pretende apresentar, defender e usar para justificar a reeleição. Será o alvo principal da campanha, no centro das lembranças sobre o desgoverno na pandemia, o agravamento da crise econômica e o descontrole da inflação.
A agenda eleitoral do governo começa com o substituto do Bolsa Família — um êxito do adversário Lula que perdura há 18 anos na memória do eleitorado. Hoje, o programa transfere R$ 192 mensais a 15,6 milhões de chefes de famílias pobres.
O Bolsa Família acaba à meia-noite de amanhã, prevê a Medida Provisória nº 1.061, editada em agosto.
Será trocado pelo Auxílio Brasil, projeto governamental cuja principal característica ainda é a incerteza:
* Sobre a abrangência (supostamente 17 milhões de pessoas);
* Sobre o valor a ser pago aos beneficiários (possivelmente R$ 400 mensais, um aumento de 108% sobre o pagamento de outubro); e,
* Sobre a origem dos recursos que devem sustentá-lo.
O Palácio do Planalto tem tradição de necrópole de planos sociais. Sobram ideias nas mesas e gabinetes sobre iniciativas para os pobres durante a temporada eleitoral do ano que vem. Na vida real, porém, até agora o governo não sabe de onde vai tirar dinheiro para financiar seus projetos durante a campanha.
Errático, dominado pela política do improviso, nada tem garantido. Certamente, um dia Bolsonaro conseguirá garantir no Congresso os R$ 54 bilhões necessários para sustentar a nova versão do Bolsa Família, que escolheu como marca de campanha. Talvez consiga atender 17 milhões de pessoas com R$ 400 por mês.
O problema é que à margem da futura clientela do Auxílio Brasil haverá uma massa de excluídos. Serão 39 milhões de pessoas, obviamente, descontentes. Foram socorridas pelo governo na emergência do primeiro ano da pandemia, mas, passaram ao zero absoluto e sem perspectiva de ajuda estatal.
Todos são eleitores, pobres — a maioria desempregada ou sem ocupação—, e vítimas primárias do descontrole inflacionário que avança há 30 semanas seguidas, visível na alta de preços dos alimentos, da eletricidade e dos combustíveis.
Bolsonaro está refém nesse cenário de incertezas, povoado por uma ampla maioria (cerca de 80%) de eleitores pobres.
Pelo calendário político, tem pouco mais de cinco meses para começar a mostrar resultados efetivos no programas sociais, no controle da inflação, na redução do desemprego e na retomada da economia.
Na passividade, culpa outros — ultimamente, a Petrobras. “Sabemos da inflação, do aumento de combustíveis”, disse ontem num comício em Ponta Grossa, no Paraná. “Sabemos que a Petrobras é independente. Infelizmente, independente. Mas estamos buscando uma maneira de, da nossa parte, ficar livre da Petrobras. Fatiá-la bastante, quem sabe partir para a privatização. Mas sei que isso demora.”
“O Brasil é um grande navio, um transatlântico”— acrescentou. “Alguns querem que eu dê um cavalo de pau, não dá. A renovação existe. Um dia a prefeita [de Ponta Grossa] vai nos deixar, eu também, o vice [prefeito], a líder…”
Não explicou o que seria esse “cavalo de pau”, mas, é certo, não lhe resta muito tempo para decisões sobre a agenda administrativa.
Abril é mês-chave para todo o serviço público na legislação eleitoral. É quando a máquina governamental e seus agentes começam a enfrentar restrições relevantes. Os gastos públicos passam a ter limitações e os candidatos uma série de obrigações na linha de fronteira do abuso de poder, a seis meses do primeiro turno de votação,
Até à meia-noite da sexta-feira 1º de abril, por exemplo, Bolsonaro terá que estar filiado a um partido para poder disputar a reeleição.
Vai precisar fazer uma ampla reforma ministerial. Isso porque ao menos 13 dos 23 ministros planejam se candidatar e, por lei, devem amanhecer no sábado 2 de abril fora do governo. Significa mudança em 56% do ministério, em plena campanha.
Para o presidente a contagem regressiva já começou. Para o candidato há uma dura realidade à frente: os eleitores se mostram insatisfeitos com o governo, nas pesquisas, e já não é possível recuperar todo o tempo perdido desde 1º de janeiro de 2019.