Era uma grande crise política, e todos ficaram satisfeitos
Durou cinco dias, contando-se o fim de semana, a confusão com a decisão do Senado de limitar decisões individuais no Supremo
Algumas crises em Brasília nascem no almoço e morrem no jantar. Foi um pouco mais longa a da semana passada com a decisão do Senado de limitar decisões individuais no Supremo Tribunal Federal. Durou cinco dias, contando-se o fim de semana tranquilo dos protagonistas no governo, no Congresso e no STF.
No Senado, a segunda-feira (27/11) mostrou como a aprovação dessa proposta de emenda constitucional produziu convergência de interesses num conjunto heterogêneo de parlamentares. Alguns pertencem à bancada do governo — entre eles, o líder de Lula, senador Jaques Wagner (PT-BA). Outros sentam nas poltronas azuis reservadas ao bloco de oposição.
Esse grupo deixou claro que é majoritário no plenário e está disposto a se unir em questões específicas. Mostrou possuir 64% dos votos, numa costura feita por Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente da Casa, em parceria com Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
David Samuel Alcolumbre Tobelem, nome na certidão de nascimento, tem 47 anos e foi o primeiro descendente de judeus marroquinos a presidir o Senado (2019-2021). É presidente da Comissão de Constituição e Justiça e está em campanha interna para suceder Pacheco no início de 2025.
Ganhou ânimo com a demonstração de força do grupo que, hoje, tende a apoiá-lo: 52 votos, em duas rodadas seguidas na mesma sessão, foram muito além do quórum de maioria (41 votos) necessário para eleger um presidente do Senado. Faltam 13 meses para a eleição interna, o que em política significa uma eternidade. Mas o jogo sucessório começou, e a emenda constitucional limitando decisões individuais no STF funcionou na convergência de interesses do momento.
Juízes do Supremo espernearam, naturalmente. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) respondeu com silêncio público, mas voz firme nos bastidores sobre a disposição de engavetar, seja, ou não levar o projeto aprovado no Senado à votação.
Como todos confiam sempre desconfiando, os juízes se movimentam para ter certeza — e estudam respostas constitucionais para eventualidades.
Lula viu-se prisioneiro de uma circunstância, a dos votos decisivos contra os interesses do STF dados por Jaques Wagner, líder do governo, e outros dois senadores baianos. Terminada a votação, promoveu conversas e um jantar com seu líder e juízes insatisfeitos na quinta-feira (23/11).
Foi quando informou-lhes sobre a decisão de retirar Flavio Dino do Ministério da Justiça e mandá-lo para o Supremo, enquanto Paulo Gonet, procurador eleitoral, iria para a chefia da Procuradoria-Geral da República. Eram candidatos prediletos de alguns juízes e, claro, todos saíram satisfeitos para as reuniões habituais de fim de semana em Brasília.
Pacheco e Alcolumbre foram céleres na programação do ritual para aprovação das indicações de Dino e Gonet. Marcaram para a quarta-feira 13 de dezembro, em meio à tradicional correria do Congresso para aprovar dezenas de projetos – alguns relevantes para o rumo da economia – antes do recesso de fim de ano.
Se não houver imprevistos, uma nova crise, a oposição executará uma ofensiva retórica na sabatina do Senado contra Dino, o governo Lula e Gonet, que patrocinou a condenação eleitoral de Jair Bolsonaro, inelegível até 2030.
No plenário, porém, o voto é sigiloso, e, como lembrava Tancredo Neves, voto secreto sempre dá uma vontade danada de trair.