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Crise sem fim

Loteamento político da saúde pública só ajuda grupos de interesses privados

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 jun 2024, 17h12 - Publicado em 22 mar 2024, 06h00
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  • Num sábado de verão do ano passado, Lula viajou a Boa Vista. Saiu da paisagem depredada das sedes do governo, do Judiciário e do Congresso, alvos da insurreição bolsonarista frustrada duas semanas antes. Foi ver de perto outra emergência nacional, a tragédia humanitária no pedaço da Amazônia ocupado pelos ianomâmis, que tem o tamanho de Pernambuco.

    O chefe dos “naba”, como os não indígenas são chamados pelos nativos, levou sete ministros ao posto de saúde que atende comunidades isoladas, distantes dez dias a pé floresta adentro. Todos se chocaram com a devastação causada pela malária e a desnutrição em sete de cada dez nativos. Ele discursou, prometeu comida, saúde e segurança. No fim do dia retornou ao cenário de palácios pilhados em Brasília. Ainda não completara três semanas do terceiro mandato.

    Em reunião na semana passada, ele quis saber da ministra da Saúde, Nísia Trindade, e do chefe da Casa Civil, Rui Costa, por que o governo segue patinando na crise humanitária amazônica, enquanto a mineração ilegal de ouro avança, derrubando a floresta e contaminando os rios. O ministro hesitou, a ministra lacrimejou, o presidente isentou-se. Resposta objetiva está em recente relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sediada em Washington: o governo atropelou-se numa teia burocrática de “gabinetes interministeriais”, “comitês de crise” e “salas de situação” com dezoito órgãos federais e 233 planos “emergenciais” e “estruturantes” para a tragédia dos ianomâmis.

    Coisa parecida aconteceu duas décadas atrás com o Fome Zero. Em janeiro de 2003, Lula anunciou o programa como “grande causa nacional, como foram a criação da Petrobras e a memorável luta pela redemocratização do país”. Antes de completar 100 dias do mandato inaugural no Planalto, o epílogo do Fome Zero já transparecia nas dificuldades operacionais — em março, por exemplo, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica desconheciam o sistema para doações financeiras.

    “Loteamento político da saúde pública só ajuda grupos de interesses privados”

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    Lula costuma driblar com habilidade a inoperância ao redor, que nunca foi exclusividade das suas administrações e atravessa o espelho do tempo de diferentes governos. Nessas situações recorre sempre ao manual do “pai dos pobres”, um clássico de Getúlio Vargas, realçando “o olhar (na Presidência) mais generoso para aquelas pessoas que mais necessitam”. Na semana passada, lembrou aos 39 ministros: “Essa é uma marca que eu consegui fazer com que desse certo no governo, nos meus dois primeiros mandatos, e eu voltei para garantir isso outra vez”. Eles entenderam, dispensando menções à campanha presidencial de 2026.

    O melhor discurso, no entanto, perde eficácia quando as pesquisas registram aumento na insatisfação dos eleitores com a incúria no balcão das políticas públicas. Na saúde coletiva, por exemplo, não há retórica eloquente capaz de superar a realidade recorrente nas imagens de indígenas amazônicos empalidecidos, em pele sobre ossos, ou de cadeirantes cariocas se arrastando na escadaria de hospitais federais, porque o elevador não funciona, na luta para entrar na fila de 9 000 pessoas que há mais de um ano esperam por cirurgia de coluna, cotovelo, joelho e ombro.

    A indigência sanitária federal não é novidade, já faz parte da paisagem nos 5 000 quilômetros entre a Baía de Guanabara e a bacia da Amazônia. Por trás, percebe-se um enredo comum e determinante da má gestão: o loteamento político da saúde pública que permite o predomínio de interesses privados no manejo do terceiro maior orçamento da Esplanada dos Ministérios (cerca de 230 bilhões de reais por ano). Oligarquias e máfias negociam o controle dos postos de saúde indígenas na floresta e da rede hospitalar federal na cidade do Rio.

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    Dois anos atrás, a CPI da Pandemia mapeou o conluio de 37 empresas na partilha dos contratos de serviços aos seis hospitais e três institutos federais do Rio, inclusive na lavagem de lucros no Uruguai e em Portugal. Cada governo troca a guarda partidária, mas os negócios seguem fluentes no sucateamento da rede de saúde. Já nem é preciso contratação direta com o ministério em Brasília, as irregularidades ocorrem nas relações locais entre algumas organizações sociais, empresas de serviços, administradores e “agentes políticos diretamente interessados nos esquemas”.

    Nessa política de saúde coletiva, onde o interesse público é partidário e mafiosamente privatizado, não há discurso capaz de driblar a realidade de 80% dos eleitores que só têm o Sistema Único de Saúde como primeiro e último recurso.

    Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

    Publicado em VEJA de 22 de março de 2024, edição nº 2885

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