Em fevereiro, Jair Bolsonaro foi a Moscou, encontrou-se com Vladimir Putin e pediu ajuda para vencer a eleição de outubro. Não se conhece a resposta de de Putin, mas a Rússia tem um histórico de interferências em disputas eleitorais nos Estados Unidos e na União Europeia.
Cem dias depois, em junho, repetiu o apelo ao presidente americano Joe Biden, durante a Cúpula das Américas. Na reunião privada, em Los Angeles, retratou o adversário Lula como um risco para os interesses dos Estados Unidos. Biden mudou de assunto, relataram Eric Martin, Josh Wingrove, Simone Preissler Iglesias e Nick Wadhams, da agência Bloomberg. Em público, Biden elogiou o “robusto” processo eleitoral democrático brasileiro.
Na manhã de terça-feira, Bolsonaro promoveu uma longa reunião no Palácio do Planalto. Na agenda oficial da presidência descreveu-se uma “reunião ministerial” com 26 participantes listados — 21 ministros, o vice-chanceler, o advogado-geral da União, os comandantes do Exército, da Aeronáutica e o secretário-geral da Marinha.
Só se falou de campanha eleitoral. E com as presenças —fora da agenda — do deputado federal Filipe Barros, do Partido Liberal do Paraná, e do ex-ministro da Defesa, Walter Braga Netto, candidato a candidato a vice-presidente.
O deputado Barros partilha com Bolsonaro a nostalgia do voto impresso, embora tenham sido eleitos pelo sistema eletrônico. Foi relator do projeto recusado pela Câmara numa manhã de votação em que o então ministro Braga Netto fez a Marinha promover um poluidor desfile de velhos carros de combate ao lado da sede do Congresso.
Bolsonaro puxou o coro de protestos e ameaças à Justiça Eleitoral. Ganhou enfático apoio do ministro da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira, como relataram Daniel Pereira e Larissa Borges, de VEJA.
O advogado-geral Bruno Bianco esmerou-se na desqualificação do Judiciário. O chefe da controladoria-geral, Wagner Rosário, mirou no Tribunal de Contas da União. E o ex-ministro Braga Netto, filiado ao Partido Liberal, apresentou seu plano de combate para a campanha, com mobilização dos ministros na caça a votos pelos Estados.
Essa “reunião ministerial” de quase três horas pode ser qualificada como um culto matinal à delinquência institucional promovido pelo candidato à reeleição. Com toques de delírio.
Todos, inclusive o assessor licenciado Braga Netto, são servidores públicos e, em horário de expediente, usaram o dinheiro dos contribuintes e as instalações de um edifício público, o Palácio do Planalto, para tratar de interesses exclusivamente privados, e especificamente político-partidários.
Há agravantes, como uma nova tentativa de arrastar as Forças Armadas para o tumulto do processo eleitoral, há ano e meio repisado pelo candidato à reeleição e reafirmado pelo seu candidato a candidato a vice-presidente em reunião com empresários, uma semana atrás no Rio.
É possível que nos próximos dias acabem intimados a se explicar em ações judiciais promovidas por adversários, eventualmente com responsabilização individual e patrimonial pelo uso de dinheiro público numa espécie de trama insurrecional.
Na prática, pode até não dar em nada. Mas já conseguiram a proeza de ingressar na antologia eleitoral: protagonistas de uma luta política, usaram o palácio e torraram dinheiro dos impostos num encontro permeado pela ideia de derrota numa eleição presidencial — antes mesmo de começar a campanha nas ruas, no rádio e na televisão.