Em qualquer lugar do planeta seria bem-vinda uma empresa que no espaço de doze meses produzisse lucro de R$ 106 bilhões, pagasse R$ 203 bilhões em impostos e se comprometesse a investir outros R$ 192 bilhões nos próximos 48 meses.
No Brasil, é diferente, como demonstra o caso da Petrobras.
O governo, acionista majoritário (51% dos votos) e beneficiário a maior fatia (R$ 40 bilhões) dos lucros do ano passado, anunciou ontem a demissão do presidente da companhia.
Não foi um ato de rotina de administração. Foi a segunda interferência explícita de Jair Bolsonaro na gestão da Petrobras no curto espaço de doze meses.
A razão: o candidato do Partido Liberal e seus aliados no Congresso querem o controle de preços dos combustíveis, com a conta paga pela Petrobras, mas não parecem ter coragem de dizer isso em público.
Bolsonaro, por exemplo, passou os últimos dias repetindo não possuir “poder para intervir” na empresa. Acreditou quem quis.
Ontem, antes dele seguir para a sétima internação hospitalar, o governo anunciou Adriano Pires, economista, para suceder Joaquim Silva e Luna, general na reserva, no comando da companhia de petróleo.
Silva e Luna está sendo demitido mais pelos méritos do que pelos desacertos como gestor. Recusou o controle preços, porém deu um “jeitinho” de lançar no caixa da Petrobras o custo de segurar reajustes dos combustíveis por 160 dias. Foi o seu limite na adesão ao “liberal-bolsonarismo”. Acabou frito a quatro mãos, na parceria Bolsonaro-Centrão.
É difícil imaginar seu sucessor detonando a própria biografia numa operação de controle de preços. Pires atuou com voz eficiente na denúncia desse tipo de manobra nos governos do PT de Lula e Dilma Rousseff.
Ele desenhou uma alternativa politicamente conveniente: um programa emergencial de subsídio para o diesel e o gás de cozinha, pago pelo caixa federal “já que a União se beneficia diretamente dessa política de preço por ser a principal acionista da Petrobras.” Governo e Congresso aparentemente gostaram. Por isso, chamaram Pires.
A ideia é adequada porque, se não resolve, atenua impactos no bolso do eleitorado insatisfeito até dezembro — depois, é problema de quem se eleger em outubro.
Além disso, retira de cena a evidência descaso do governo e da oposição sobre o que, realmente, é relevante para os brasileiros. Há um ano discute-se no Congresso a criação de um fundo de estabilização de preços do petróleo. O debate começou em abril do ano passado, quando o barril custava US$ 60. Ontem ficou acima de US$ 100.
Bolsonaro pode alegar ter usado o poder do acionista controlador, o Estado brasileiro, para mais uma legítima intervenção na companhia de petróleo. E que seria obra do acaso a harmonia das mudanças com as conveniências do candidato à reeleição.
Na disputa pelo futuro governo, o adversário Lula deve repetir hoje, em discurso aos empregados da Petrobras, que vai anular a privatização da empresa, lembrando que a crise dos preços dos combustíveis e da escassez de fertilizantes é culpa de Bolsonaro e da “farsa” da Lava Jato, produtos de uma “elite escravista”. Segundo ele, “o escravismo ainda está contido na célula de cada representante da grande elite brasileira”.
Acredita quem quiser. Por trás da retórica eleitoral está a disputa pelo controle do Estado, que dá ao governante eleito o poder de intervir no caixa da maior empresa do país, num fluxo de R$ 300 bilhões por ano.
Lula e Bolsonaro parecem concordar: empresários ou trabalhadores, os sócios-investidores privados são minoritários na Petrobras e, não importa o que pensem, eles nunca têm razão.