Bolsonaro deixou Zema, o aliado liberal, isolado no motim de Minas
Por trás da rebelião consentida de policiais está a rejeição de políticos e empresários à essência liberal do projeto federal para retirar Minas da falência
O que está acontecendo em Minas Gerais é muito mais do que uma motim de policiais, com apoio explícito de políticos locais e da hierarquia das forças de segurança pública.
Organizaram uma rebelião policial no Estado, com todos os riscos inerentes à travessia de milhares de homens e mulheres armados pelo centro de Belo Horizonte.
“Evento legítimo”, decretou em comunicado à tropa o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Rodrigo Sousa Marques, no fim de semana, quando comboios do interior começaram a aportar na capital.
Na sequência, o comando da PM revalidou a “legitimidade” da revolta, e se preocupou em apelar para que fosse “pacífica”, talvez pela lembrança de junho de 1997, quando quatro batalhões se rebelaram e tentaram ocupar o quartel-general. Houve tiroteio e um PM morreu baleado na cabeça. Sobraram 1,7 mil indiciados em inquéritos e 182 expulsos — todos anistiados pela Assembleia Legislativa em outubro do ano passado.
Ontem, o protesto salarial de policiais civis e militares funcionou como abre-alas de um movimento político muito mais amplo: a rejeição da elite mineira ao espírito liberal que permeia o programa de estabilização fiscal para resgatar o Estado da falência.
Foi um levante contra as bases de um projeto de política econômica. Privatizações de empresas estaduais são as cerejas desse bolo fermentado num acordo dos governos Romeu Zema (Novo) e Jair Bolsonaro (Partido Liberal).
A possibilidade de venda de estatais como Cemig, Codemig, Copasa, entre outras, estimulou a formação de uma frente de oposição muito além das fronteiras habituais do ativismo sindical-partidário.
Num entendimento tácito, os sindicalistas se moveram sob estímulo de partidos (do PT de Lula ao PSD de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, e Alexandre Kalil, prefeito de Belo Horizonte) e, também, de boa parte do empresariado mineiro.
Esgrimem com o argumento de uma espoliação política e financeira. É muito alto o preço da recuperação da falência estadual, se queixam. Veem ameaça à autonomia de Minas. E, nas circunstâncias, evocam Tancredo Neves sobre os limites dos acordos dos anos 80 do Brasil com o Fundo Monetário Internacional (FMI): “Negocia-se qualquer coisa, menos a soberania.”
Pode-se discutir o sentimento de orgulho ferido de um Estado falido por iniciativa própria. Porém, nele está implícita uma crítica salutar à matemática ilógica imposta pela União: Minas devia R$ 110 bilhões quatro anos atrás, agora deve cerca de R$ 150 bilhões.
É aumento de 36% para uma comunidade falida de 22 milhões, cujo governo não se destacou nesse período por reconhecidas extravagâncias em novos gastos — ao contrário, como demonstra o motim policial por aumento salarial.
Candidato à reeleição, o governador Zema, empresário bem-sucedido no comércio varejista, foi capaz de extrair R$ 30 bilhões num acordo com a Vale, pilar da indústria mineira, mas naufragou em notória inabilidade nas negociações com sindicalistas policiais e a bancada da bala estadual.
Acabou isolado na polícia, na assembleia, na elite empresarial mineira e, supreendentemente, no Palácio do Planalto.
Jair Bolsonaro, que mandou o governo negociar com Zema as condições para recuperar Minas da falência, não se moveu a favor do aliado acossado pela revolta de servidores armados. Deixou o governador, representante do movimento liberal, ainda mais isolado.
Notável porque Bolsonaro se elegeu, três anos atrás, na esteira de promessas de responsabilidade fiscal e privatizações, e planeja renová-las na disputa pela reeleição, agora pelo Partido Liberal.
Ontem, em Minas, o segundo maior colégio eleitoral do país, ficou exposta uma rebelião contra os fundamentos desse projeto de governo. A omissão do Planalto informa que, para Bolsonaro, o liberalismo continua sendo apenas perfume de campanha.