Jair Bolsonaro disse ontem que uma “empresária socialista” havia perdido “R$ 30 bilhões agora, quando anunciou amor pelo nove dedos.” Não citou o nome, mas os seus seguidores entenderam como referência a Luiza Trajano, acionista-controladora da rede de varejo Magazine Luiza, uma das empresas brasileiras mais lucrativas nos últimos quatro anos (2016-2020).
A história de sucesso dessa empresária de Franca (SP) garantiu-lhe, aos 73 anos, destaque numa recente lista anual de personalidades da revista Time (EUA), que pediu a Lula para apresentá-la aos seus leitores. “Em um mundo corporativo ainda dominado por homens, Luiza Trajano conseguiu transformar o Magazine Luiza em um gigante do varejo”, ele escreveu.
Num país onde mulheres são maioria (53%) no eleitorado, mas têm pouca visibilidade na política, ela passou a frequentar a imaginação de alguns dirigentes de partidos, inclusive no PT, como candidata “ideal” à vice-presidência da República. E sempre em chapa presidencial liderada por homens.
Bolsonaro, da forma grosseira como costuma agir em relação a mulheres, fantasiou-a como vice de Lula, cujo espectro o mantém insone no Palácio da Alvorada há sete meses, com vantagem média de vinte pontos nas pesquisas eleitorais.
Ontem, de passagem por Recife, Luiza Trajano ironizou: “É porque precisam de uma mulher para ser presidente ou vice, porque nós mulheres somos mais famosas agora, né?, então, eles [homens] falam isso.” Contou que nunca esteve com Lula, “nunca fui convidada para ser vice, não sou candidata a nada e nunca recebi nenhum convite para ser candidata.”
Explicou com mordacidade sua visão “socialista” do Brasil: “Quando eu digo que sou a favor do Bolsa Família, eu sou esquerda; quando digo que sou a favor da privatização dos Correios, eu sou direita.”
Na prática, Bolsonaro abusou do cargo de presidente para difundir informação potencialmente danosa — e de forma dissimulada — sobre uma companhia privada, com ações negociadas em Bolsa de Valores e responsável pelo emprego de mais de 30 mil pessoas em 800 municípios.
Numa hipótese benigna, a insônia com os riscos eleitorais, talvez, explique seu ataque à empresa privada e à acionista-controladora.
Vista do próprio governo, das mesas de operações da BB Investimentos, o braço do Banco do Brasil para o mercado de capitais, a rede Magalu tem situação exatamente oposta à insinuada por Bolsonaro. “A capacidade de manter forte crescimento de vendas em diferentes cenários é o que a diferencia das demais companhias do setor” — qualificou a corretora BB Investimentos, em setembro, ao analisar o desempenho da empresa no primeiro semestre.
Entre julho e setembro, a rede lucrou R$ 22,6 milhões, uma expressiva queda em relação ao resultado do mesmo período em 2020, que somou R$ 215,9 milhões. Empresa e analistas de mercado atribuem esse expressivo declínio nos lucros à corrosão no poder de compra da clientela, efeito de uma inflação crescente e disseminada, ou desgovernada, acompanhada pela alta nas taxas de juros.
Porém, entre aliados do governo no Congresso, houve quem interpretasse o ataque de Bolsonaro à empresária Luiza Trajano de forma diferente. Foi percebido como uma espécie de “auxílio emergencial”, indireto e encoberto, a “amigos” comerciantes pressionados por dificuldades na competição com a Magalu em cidades do interior.
Lembrou-se até do presidente-candidato no ano passado, no auge da pandemia, fantasiado de garoto-propaganda de medicamentos do “kit-covid”, mundialmente reconhecido pela ineficácia. Em alguns casos, o lucro das empresas beneficiadas aumentou mais de 700%.