Jair Bolsonaro completou ontem dois anos e meio de mandato com um recorde de 122 pedidos de impeachment e três dificuldades crescentes para sua candidatura à reeleição: inflação, desemprego e suspeitas de corrupção no governo.
A inflação está corroendo o bolso do eleitorado pobre: em 12 das 27 capitais, é preciso gastar mais da metade de um salário mínimo líquido — ou seja, depois de descontados os tributos— para se comprar uma cesta básica de alimentos.
Essa despesa já ultrapassa 60% para quem vive em São Paulo, Rio, Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis e Vitória, segundo a pesquisa recém-divulgada pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócioeconômicos (Dieese).
Nessas cidades, um assalariado precisou trabalhar 125 horas no mês de maio somente para garantir comida em casa. A jornada pela cesta básica ficou cerca de 15% mais longa em relação a 12 meses atrás.
Em São Paulo e no Rio, dois dos maiores colégios eleitorais do país, os preços subiram 13% em um ano. Fora dessa conta está o gás de cozinha, que aumentou 4,3% nas últimas quatro semanas. O botijão de 13 kg já é vendido a R$ 130 na região Centro-Oeste.
O desemprego urbano também avança. Eram 14,8 milhões de pessoas à espera de trabalho em abril, informou o IBGE ontem. A fila aumentou, com mais 489 mil pessoas sem emprego entre fevereiro e abril.
A crítica situação da maioria do eleitorado, cujas perspectivas estão limitadas pela escassez de vacina contra a Covid-19, explica boa parte das dificuldades do presidente nas pesquisas de avaliação de governo e do candidato à reeleição nas sondagens de intenção de voto.
No curto prazo, o cenário não é favorável a Bolsonaro. A corrosão no bolso dos eleitores tende a se agravar com o petróleo e derivados em alta, e a conta de luz também, por causa da seca nos reservatórios das hidrelétricas.
Ao mesmo tempo, proliferam suspeitas de corrupção na Saúde, em meio a uma pandemia com mais de 518 mil mortes confirmadas até a noite de ontem. A CPI vai até agosto, com possibilidade de prorrogação a novembro.
Os pedidos de impeachment se acumulam. Mas, por enquanto, o presidente da Câmara, se mostra disposto a matar todos eles no peito.
Quando chegaram à marca de 111, no último 27 de abril, o deputado Arthur Lira (PP-AL) anunciou aos deputados no plenário: “Os pedidos de impeachment, em 100% e não 95%, em 100% dos que já analisei, são inúteis para o que entraram e para o que solicitaram.”
Ontem apareceu o 122º, consolidando os anteriores numa lista de duas dezenas de acusações de crime de responsabilidade.
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O presidente da Câmara, que tem o poder monocrático da decisão, criticou: “Impeachment como ação política a gente não faz com discurso, a gente faz com materialidade, que por enquanto ainda não se comprovou.”
Na sequência indicou um calendário possível para dar resposta, com uma dose de ironia: “Vamos esperar a CPI, que está fazendo um belíssimo trabalho, bem imparcial.”
Pouco depois, antecipou o veredito: “Sem novidade nenhuma [o pedido]”, disse ao repórter Rafael Di Cunto, do Valor, justificando a rejeição.
Foi a segunda cerimônia de adeus ao impeachment anunciada por Lira em nove semanas.
A primeira, em abril, coincidiu com a autorização presidencial para um gasto recorde (R$ 21,5 bilhões) com obras e outras despesas de interesse dos líderes do Centrão, comandado por Lira.
Ainda não se sabe como Bolsonaro pretende renovar a gratidão.