A guerra de Putin complicou a reeleição de Bolsonaro
Depois da folga no Guarujá (SP), Bolsonaro descobriu que o conflito na Ucrânia multiplicou os riscos para sua candidatura
Já é visível a preocupação de Jair Bolsonaro com os efeitos da guerra de Vladimir Putin na sua campanha de reeleição.
Desde a Quarta-feira de Cinzas tem dedicado tempo a reuniões sobre as sequelas para o Brasil da invasão da Ucrânia, com base, principalmente, em análises do Itamaraty, dos ministérios da Agricultura e da Economia.
É um conflito militar localizado, informam os mapas táticos das Forças Armadas. Em Brasília há mais de uma centena de oficiais consolidando informes diários sobre cenários da guerra “Ucrânia vs Rússia”, como define o Comando de Operações Terrestre do Exército (algumas sínteses informativas sobre a evolução dos combates estão acessíveis ao público).
As tropas russas avançam na Ucrânia há dez dias, e ainda não tomaram Kiev, capital ucraniana. Mas Putin já perdeu o Banco Central e, com ele, o controle da economia da Rússia, que está derretendo.
A reação dos Estados Unidos e da União Europeia, no conjunto de sanções inéditas, deu dimensão global ao conflito. A gradual exclusão da Rússia de um sistema econômico interconectado tem repercussão planetária.
Vai custar caro para o Brasil, indica uma coletânea de projeções dos ministérios e de empresas privadas recebida no Palácio do Planalto nos dias de Carnaval, enquanto Bolsonaro curtia o feriado no Guarujá (SP), se confessava admirador de Putin e retrucava críticos: “Se não gosta que eu tire folga, não vote em mim.” Na volta a Brasília encontrou um novo mundo, repleto de riscos para o seu projeto eleitoral.
O governo, agora, corre contra o relógio para encontrar meios de mitigar os previsíveis aumentos nos preços da gasolina, gás de cozinha, do óleo diesel e dos alimentos.
Energia e alimentação consomem cerca de 60% do orçamento domiciliar das famílias cuja renda mensal é de até dois salários mínimos (R$ 2,2 mil). Elas empobreceram mais que outras, de faixas superiores de renda, na torrente de desemprego e desocupação durante a pandemia, e da inflação (10,1%, na média nacional) do ano passado.
Nessas famílias está uma parcela relevante (cerca de 39%) do eleitorado apto a votar em outubro. Com o botijão de gás de cozinha custando o equivalente a 8,5% de um salário mínimo, a perspectiva de novos aumentos de preço impõe um desafio inesperado para Bolsonaro.
Ele já enfrenta avaliação negativa (57%) recorde nesse segmento de eleitores, que sustenta seu adversário Lula, do PT, na liderança das pesquisas com ampla vantagem (até 39 pontos percentuais).
O preço do petróleo avança no ritmo da guerra e a Petrobras está há sete semanas segurando reajustes dos derivados. Usa o próprio caixa para financiar uma defasagem de mais de 20% em relação aos preços internacionais.
O governo se mostra perdido, sem rumo na política para os combustíveis. No Congresso está, desde abril do ano passado, um projeto de um fundo de amortecimento dos preços, custeado pela fatia do lucro da Petrobras que é apropriada pelo governo, principal acionista (35%) da empresa estatal.
Durante 12 meses o governo evitou a discussão sobre o fundo. Quando ela começou, em abril, o petróleo estava em 60 dólares por barril. Ontem chegou a 118 dólares. Fundo de estabilização é operação cara: para se obter uma redução de dez centavos por litro no posto de gasolina, o governo precisaria gastar R$ 500 milhões em subsídios.
São muitas as sequelas do conflito da Rússia na Ucrânia previstas para a economia brasileira, tanto na inflação quanto na atividade de produção — e num ano eleitoral em que o governo esperava a retomada da economia.
Ao voltar da folga no Guarujá, Bolsonaro descobriu que o risco se multiplicou para sua candidatura à reeleição. É outra consequência da guerra de Putin.