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A contaminação

Bolsonaro acelerou o metabolismo da anarquia nos quartéis

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h22 - Publicado em 30 jun 2023, 06h00
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  • Quando saíram do Palácio da Alvorada, na seca segunda-feira 18 de julho do inverno passado, diplomatas estrangeiros demonstraram preocupação com o rumo da crise política. Faltavam dez semanas para as eleições e haviam acabado de ouvir Jair Bolsonaro falar por meia hora, em comício transmitido ao vivo pela televisão estatal e redes sociais.

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    Bolsonaro citou as Forças Armadas dezoito vezes, sempre qualificando-as como refratárias ao sistema de votação eletrônica. O voto digital tem um longo histórico sem máculas, mas para o “comandante supremo”, como se identificou, era corruptível, capaz de “tirar voto de um e mandar para outro”.

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    Um mês antes da eleição, na segunda-feira 29 de agosto, diferentes pesquisas reafirmavam as chances de derrota de Bolsonaro nas urnas. Em Brasília, chefes militares se reuniram para discutir alternativas. O mais inquieto na sala era o comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, patrono de um tragicômico fumacê de blindados diante do Congresso, enquanto parlamentares rejeitavam o “voto impresso” proposto por Bolsonaro. Impaciente, o almirante queria “audácia”. Não conseguiu. Esperou a transição de governo para vazar o desgosto em outro vexame público — foi o único que se recusou a passar o comando ao sucessor escolhido pelo novo governo.

    Passaram-se onze meses. Na terça-feira (27), o coronel do Exército Jean Lawand Junior resignou-se à humilhação, durante oito horas seguidas no Congresso. Foi chamado de “covarde” 21 vezes por tentar se desmentir na incitação a um golpe de Estado em mensagens de áudio que enviou a outro coronel, Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro — a coletânea foi revelada pelo editor Robson Bonin, de VEJA. “Deixa eu dizer uma coisa para o senhor, coronel”, desabafou a senadora Eliziane Gama, relatora da comissão de inquérito. “Aqui, o mais besta conseguiu se eleger deputado federal, senador e senadora.”

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    “Bolsonaro acelerou o metabolismo da anarquia nos quartéis”

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    No início de dezembro, quando Bolsonaro isolou-se na residência oficial em luto pela derrota, Lawand transbordava ansiedade por “ação”, à margem da hierarquia militar, nos recados ao ajudante de ordens do presidente derrotado: “Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele (Bolsonaro) dê a ordem que o povo tá com ele, cara. Se os caras não cumprir (sic), o problema é deles. Acaba o Exército Brasileiro se esses cara (sic) não cumprir a ordem do comandante supremo. Como é que eu vou aceitar a ordem de um general que não recebeu, que não aceitou ordem do comandante? Pelo amor de Deus, Cidão. Pelo amor de Deus, faz alguma coisa, cara. Convence ele a fazer”.

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    Comandante de uma mesa e quatro soldados na assessoria do Estado-­Maior, Lawand esperava promoção a um posto em Washington. Cid sonhava com o comando da tropa de Operações Especiais, a quartelada a 150 quilômetros de Brasília. Diante do quartel-general do Exército a paisagem estava tomada por um acampamento de bolsonaristas radicais. Nos intervalos do fumacê da churrascada ao ar livre, discursos por intervenção armada, seguidos por reza e coro de hinos militares — Cisne Branco, canção da Marinha, era a preferida.

    Situação inusitada, e estranhamente tolerada. O ex-comandante militar do Planalto, general Gustavo Dutra de Menezes, justificou a proteção em audiência parlamentar na semana passada: “O Exército é uma instituição extremamente preocupada com a dignidade humana, com a preservação da vida e com o cumprimento da lei. E nenhuma instituição disse: ‘Esse acampamento é ilegal’”.

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    O argumento é tosco, mais revela do que oculta. A área do quartel-­general é jurisdição militar. O acampamento durou 67 dias até a invasão do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e do Planalto. Nele, o Exército já havia constatado — e registrado em documentos — um ambiente de delitos “como prostituição, porte ilegal de arma de fogo, consumo de drogas”. Ali, planejou-se um atentado a bomba no acesso ao Aeroporto de Brasília, na véspera do Natal. Fracassou por falha no dispositivo acionado.

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    Bolsonaro acelerou mutações no metabolismo da anarquia nos quartéis, paradoxalmente, fomentada pela elite da caserna bem antes da chegada dele ao Planalto. Esse novo ciclo de fragilização institucional começou com o reembarque da hierarquia militar no devaneio de um autoproclamado papel de “poder moderador” da República. Sem mudanças na formação, na estrutura e nos regulamentos da vida em quartel, as Forças Armadas tendem a continuar patinando na própria ambiguidade, entre crises de sedução autoritária.

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    Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

    Publicado em VEJA de 5 de Julho de 2023, edição nº 2848

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