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Jorge Pontes foi delegado da Polícia Federal e é formado pela FBI National Academy. Foi membro eleito do Comitê Executivo da Interpol em Lyon, França, e é co-autor do livro Crime.Gov - Quando Corrupção e Governo se Misturam.
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Três lições sobre a crise de segurança no Equador

O caos sem precedentes no país sul-americano revelou algumas situações inimagináveis de ascensão da delinquência

Por Jorge Pontes
11 jan 2024, 11h33

Estamos assistindo à tragédia anunciada do colapso institucional no Equador, causado pelo avanço da criminalidade organizada – preponderantemente de facções de narcotraficantes. A situação chegou a uma gravidade tão profunda que o presidente Daniel Noboa decretou, na última segunda-feira 8 estado de emergência por sessenta dias, e, no dia seguinte, declarou “conflito armado interno”, com o imediato emprego das Forças Armadas do país, algo que, segundo o Direito Internacional, equivaleria a uma guerra civil. Esse caos sem precedentes revelou algumas situações inimagináveis de ascensão da delinquência, como criminosos construindo piscinas em presídios ou invadindo canais de televisão para falar ao vivo aos telespectadores.

Leia também: A evolução das gangues por trás da onda de violência no Equador

Dessa situação, de perda de controle do estado para a criminalidade, podemos tirar três lições bastante claras:

  • A primeira é que, num mundo cada vez mais globalizado, o crime organizado transnacional – e aí incluímos a lavagem de dinheiro – deve ser combatido em bloco, seja por países que formam uma região, seja por toda comunidade internacional ou por organismos multilaterais de cooperação policial. E isso se deve a uma razão muito simples: a delinquência e seus exércitos de criminosos formam uma “massa líquida”, que invariavelmente transborda para os países vizinhos. Essa mobilidade das facções criminosas ocorre porque o crime é um business extremamente lucrativo (ilegal, mas é), que ocupa espaços, estabelece rotas e absorve mão de obra para além do país de origem – assim como qualquer empresa multinacional. O narcotráfico é o maior exemplo dessa característica, pois a demanda pelas drogas – principalmente a gerada na Europa e nos EUA – nunca arrefece. Há, então, uma pressão constante para o crescimento da atividade produtiva. E se temos uma situação de enfrentamento bem sucedido na Colômbia, a criminalidade também escorre para países vizinhos, como o Peru, e assim sucessivamente. E isso foi o que (também) ocorreu no Equador. Daí entenderemos como é importante que os países da região, como o Brasil, ofereçam ajuda a Quito. O problema deles também é nosso. Igualmente trata-se de uma boa oportunidade para a jovem Ameripol – organismo multilateral de cooperação policial para a região, que é estabelecida em Bogotá, trabalhar na troca de informações, medida vital para o sucesso do enfrentamento à essa modalidade de delinquência, que é intrinsecamente transnacional. Há de ser observada essa geopolítica do crime.
  • A segunda lição é que, em um Estado em que a grande corrupção está fora de controle, principalmente aquela que envolve altos agentes públicos e a atividade política (a que chamamos de crime institucionalizado), não há condições de combater à criminalidade organizada com uma mínima expectativa de sucesso. Nenhum chefe de executivo, seja prefeito, governador de província ou presidente, que estiver administrando uma unidade política erodida pela corrupção sistêmica, terá sucesso em políticas de enfrentamento à criminalidade. Quando há o vetor da corrupção na alta administração, tudo abaixo fica comprometido, até porque as próprias corporações policiais – que se encarregarão das políticas de segurança pública – estão tomados pela corrupção. Isso é exatamente o que acontece no Equador e também o que ocorre – há anos – no Estado do Rio de Janeiro, sem tirar nem por. Aliás, não há como não nos lembrarmos do flagelo carioca aos tomarmos conhecimento dos detalhes mais escabrosos da crise equatoriana.
  • E, last but not least, a terceira e última lição é o equívoco recorrente de certos governos mais liberais de promover a desregulamentação da economia em algumas de suas áreas mais importantes. E isso ocorreu no Equador em vários setores. No ano de 2023, o último governo equatoriano — ultraliberal —  flexibilizou e afrouxou a venda de armas e munições no país, adotando também políticas de privatização dos sistemas de controle da produção de bebidas. E é óbvio que a criminalidade se favoreceu do aumento da disponibilidade de armas de fogo no mercado, e não foi a toa que 2023 terminou com mais de 7,8 mil homicídios, índice recorde para um país de 17 milhões de habitantes. Mas a desregulamentação tem um outro aspecto extremamente deletério: ela torna mercados e setores da economia atrativos para o crime organizado, promovendo um verdadeiro convite para que facções de delinquentes diversifiquem suas atividades Quando um setor é desregulado, criam-se zonas de sombra, perfeito para sonegação, fraudes, falsificações, contrabando, e, principalmente, lavagem de dinheiro. Relatório recente do Observatório do Crime Organizado no Equador (OECO), que é iniciativa da Fundação Pan-americana para o Desenvolvimento, relata que a lavagem de dinheiro é a segunda principal expressão criminosa a nível nacional, com uma fatia de 17% do total. A OECO ainda registra que o crime organizado equatoriano adentrou alguns mercados – legítimos – importantes (postos de gasolina, farmácias, construção civil, centros de apostas on-line, compra e venda de imóveis e veículos e restaurantes). Quando o crime organizado, por conta da desregulamentação, adentra e conquista mercados dessa magnitude, compromete a economia e torna-se cada vez mais inexpugnável. Mais um problema equatoriano que nos remete a um flagelo brasileiro, pois por aqui também as facções estão entrando em grandes fatias do mercado de bebidas e de postos de gasolina, entre outros.

O que se pode concluir?

Finalmente, percebemos que situações extremas de exacerbação da criminalidade, como a atual crise no Equador, não ocorrem por acaso. O triunfo das facções criminosas sobre as sociedades não são mérito da “capacidade e tenacidade” administrativa de seus capos, mas, sobretudo, de fraquezas, conivências e falhas de gestores públicos e governantes. Sem governos cuja incompetência e comprometimento alavancam a delinquência, essas situações definitivamente não ocorreriam. Que o digam os cariocas e a sua triste sequência de governadores corruptos.

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