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Jorge Pontes foi delegado da Polícia Federal e é formado pela FBI National Academy. Foi membro eleito do Comitê Executivo da Interpol em Lyon, França, e é co-autor do livro Crime.Gov - Quando Corrupção e Governo se Misturam.
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Regulamentação é fator vital para deter o crime organizado

Quando pensamos em segurança pública e no enfrentamento ao crime, não há de se falar em estado mínimo

Por Jorge Pontes
2 out 2023, 14h49

Nada mais atual do que os infindáveis debates sobre o tamanho que o estado deve ter.

Talvez seja essa uma das questões mais cruciais, e que vem moldando e determinando aspectos e disputas políticas (e geopolíticas) nos nossos tempos.

E tais discussões se acirram em anos de transição no governo federal. E mais ainda quando o governo que entra é de campo diametralmente oposto do que sai…

Enquanto o campo progressista prega um estado mais corpulento e interventor, que estimule, com politicas públicas, setores específicos da sociedade e da economia, o liberalismo preconiza o estado mínimo, de estrutura enxuta, e sugere que as coisas se acomodem com pouca — ou quase nenhuma — intervenção estatal.

Em que pese a dificuldade da adoção de um modelo padrão — de cada um dos dois espectros — que atenda às diferenças e gradações existentes entre as nações, quando pensamos em segurança pública e no enfrentamento ao crime, não há de se falar em estado mínimo.

A aplicação da máxima do laissez faire, laissez passer pode significar o abismo, isto é, a perda irrecuperável de terreno para a criminalidade organizada — e enormes prejuízos econômicos e sociais.

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Resumindo: o combate à alta delinquência deve passar ao largo da discussão ideológica.

Não são raros os exemplos em que a ausência — ou falha — de regulamentação em um determinado setor econômico ou produtivo, gera o incremento da criminalidade organizada, com aprofundamento das fraudes, falsificações, contrabandos, descaminhos e contrafações de todos os gêneros.

Não ocorreram por acaso as audaciosas — e chocantes — ações do crime organizado, que testemunhamos durante as últimas eleições presidenciais no Equador, em agosto passado, quando o candidato Fernando Villavicencio foi assassinado a tiros. O atual governo equatoriano — ultraliberal —  flexibilizou e afrouxou a venda de armas e munições no país, e adotou desastrosas políticas de privatização dos sistemas de controle da produção de bebidas. O que se viu, então, foi um recrudescimento sem precedentes das ações das facções criminosas ligadas ao narcotráfico, com ameaças e agressões saindo do controle das autoridades, colocando em risco o próprio processo eleitoral do país.

Outro ponto que toca o problema é o crescimento avassalador do que chamamos de “narcodesmatamento” na nossa Região Amazônica, que ocorreu a partir do casamento improvável — e destrutivo — da atividade madeireira ilegal, dos garimpos criminosos e da grilagem de terras, com as bandas que se dedicam há décadas ao tráfico de drogas ilícitas naquele território. Tal fenômeno fez com que a delinquência na região ficasse totalmente fora de controle. Essa simbiose — e superposição — de manchas criminais não ocorreu à toa: foi amplamente divulgado que Ministério do Meio Ambiente do governo passado suprimiu algumas importantes normas ambientais, extinguindo estruturas de controle e fiscalização da atividade madeireira na região; o mesmo ocorrendo em relação à mineração de ouro.

Numa variação do mesmo tema, o setor de bebidas no Brasil vem demonstrando estar igualmente impregnado por atividades capitaneadas por facções criminosas. Há estimativas de que o país sofra perdas fiscais de algumas dezenas de bilhões de reais com o comércio ilegal desse produto.

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Há, paralelamente, atividades criminosas de falsificação, descaminho e contrabando de bebidas, além da própria lavagem de dinheiro. Existe ainda a anacrônica situação de bebidas descaminhadas sendo utilizadas como moeda de troca, em atividade de escambo. A balbúrdia precede o aumento da criminalidade.

Corremos, desta feita, o risco de ver um mercado com essa magnitude ser tomado pelas facções.

E as razões se repetem aqui também: o problema se deve, em grande parte, à desativação, em 2016, sem maiores explicações — e de forma frontalmente contrária à legislação vigente — do Sistema de Controle de Produção de Bebidas (SICOBE). A Receita Federal, ao descontinuar o SICOBE, que era um sistema de controle físico da quantidade exata de litros de cervejas e refrigerantes fabricados no país, iniciou um voo cego na produção de bebidas, abrindo as portas da atividade para uma enorme gama de malfeitos.

Atualmente, o próprio Fisco discute a possibilidade de implementar um programa a nível federal que enderece essas questões, em diversos setores relevantes da economia brasileira, por meio da ampla implantação de uma medida: a rastreabilidade de produtos. Apesar de, a princípio, ter o foco voltado para o controle fiscal, o programa de rastreabilidade pode ser capaz de coibir com grande eficácia o crescimento do mercado ilegal e o aumento da capilaridade das organizações criminosas que usam as falhas e lacunas do Estado para se fortalecer. Uma norma da Receita Federal já instituiu o programa, mas, até o momento, a medida não saiu do papel.

Enfim, não podemos deixar de aprender com essas lições. A escalada sangrenta que assombrou o processo de renovação política no Equador, o “narcodesmatamento” que ameaça a nossa soberania sobre a Amazônia, e a traficância desenfreada de bebidas ilegais no país, os três fenômenos criminológicos, têm em comum apenas um ponto: a falta de controle estatal sobre atividades econômicas de relevância que os envolvem. Abrir mão desse tipo de controle é literalmente entregar o ouro aos bandidos.

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