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Jorge Pontes

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Jorge Pontes foi delegado da Polícia Federal e é formado pela FBI National Academy. Foi membro eleito do Comitê Executivo da Interpol em Lyon, França, e é co-autor do livro Crime.Gov - Quando Corrupção e Governo se Misturam.

Dez anos de Lava Jato — algumas lições aprendidas

Nesse domingo, dia 17 de março, faz exatamente dez anos que a primeira fase da Operação Lava Jato foi deflagrada

Por Jorge Pontes
Atualizado em 9 Maio 2024, 11h17 - Publicado em 17 mar 2024, 08h17

De lá pra cá, como consequência da operação, uma verdadeira montanha russa de fatos ocorreram, com processos sendo anulados, e vertiginosas reviravoltas em quase todos os seus resultados práticos, mormente os processuais.

A operação da Polícia Federal teve o mérito, de forma inédita, de possibilitar a punição – com encarceramento – da elite política e empresarial do país, assinaladas no cometimento de inúmeras fraudes e desvios de verbas públicas. Por um período, a sociedade brasileira acreditou que venceríamos a impunidade crônica do nosso sistema processual penal.

Mas o legado da operação hoje se resume a elementos de natureza imaterial. A memória da grande corrupção descortinada, enfim, a consciência da sociedade brasileira sobre o grau de deterioração das atividades políticas em nosso país. Tudo foi por terra, mas a lembrança das provas, das confissões e das centenas de milhões de dólares devolvidos pelos próprios criminosos não foi e nem poderá ser anulada.

Soubemos, por intermédio da Lava Jato, que há uma morfologia criminosa no Brasil que, independente de ideologias e partidos políticos, encontra-se entranhada nas estruturas do Estado, com reflexos nos três poderes da República, e nos três níveis políticos da administração pública: federal, estadual e municipal.

Não enfrentamos apenas à corrupção sistêmica de forma isolada, mas a delinquência institucionalizada. Trata-se de uma plataforma criminosa de viés estruturante, e que não é operada por atores marginais, mas nucleares, que se encontram no núcleo do poder, em posições de comando. Esses atores tem o poder de, com o Diário Oficial e a caneta, nomear seus julgadores, aprovar leis e orçamentos que os beneficiam, e até demitir o chefe das polícias que os investigam, isso sem falar na perpetração dos desvios de recursos públicos em escala de grandeza até então sem precedentes.

Mas, apesar de descortinar tantas mazelas, a Lava Jato caiu em desgraça e praticamente implodiu, e quase todos os efeitos por ela gerados foram de alguma forma neutralizados. Hoje, acredito que, tirando a legislação que as pressões da operação forçaram o Congresso a aprovar (tanto para o bem como para o mal), estamos em um estágio, do ponto de vista do enfrentamento à corrupção, mais atrasado em relação ao que nos encontrávamos em 2014. Em verdade, às reações contrárias à Lava Jato, ocorridas a partir de 2019, forçou-nos a um enorme retrocesso.

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Por outro lado, temos que, com o passar do tempo, tentar observar a operação com um olhar menos febril. Só o curso dos anos nos possibilita uma visão histórica mais acurada da Lava Jato e do que ela de fato representou. E temos a obrigação de tirar lições de seus erros, até mesmo para que não sejam repetidos.

É reducionismo achar que a Lava Jato foi destruída exclusivamente por uma reação do establishment, aí compreendendo uma grande parcela de políticos comprometidos com a corrupção, seus advogados criminalistas e o quadrante de ministros garantistas do Supremo Tribunal Federal. É importante registrar, na linha do tempo da operação, que entre 2014 e 2018 não ocorreram retrocessos, e a Lava Jato seguiu seu curso, apesar de toda contrariedade da classe política e dos advogados criminalistas. E mais, nesse lapso a operação foi totalmente apoiada e ratificada pela maioria dos ministros do STF.

O que ocorreu, como marco temporal da guinada da Lava Jato rumo ao abismo, foi a eleição de Jair Bolsonaro à presidência da República. A Lava Jato e a vitória de Bolsonaro em 2018 tem uma incontestável relação, respectivamente, de causa e efeito.

Logo, temos de enxergar que a Lava Jato, queiramos ou não, pariu a eleição de Jair Bolsonaro à presidência da República. Bolsonaro e a extrema direita que o apoia e o acompanha se apropriaram da operação. O capitão não teria aparecido na paisagem política como uma opção factível ao Planalto, e tampouco teria vencido o pleito de 2018, se não fosse o cenário de terra arrasada (na política) produzido pela operação. Isso é fato.

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A partir da vitória de Bolsonaro, e (também) da entrada na política de alguns atores que personificavam a Lava Jato, a operação começou a se enfraquecer, e a perder, aos poucos, apoio da própria sociedade. É importante aqui entender que, quando personagens que tiveram importantes funções na Lava Jato entram no jogo eleitoral e se associam a partidos políticos e a candidatos a cargos eletivos, eles conseguem retroagir no tempo e vulnerabilizar o que fizeram durante a operação, independente de terem trabalhado bem ou mal. Quando largam suas funções técnicas e entram na política eles reabrem o passado, possibilitando sejam construídas novas narrativas, ou fortalecendo as que haviam sido sobrepujadas pela operação. Geraram, assim, incertezas sobre o próprio passado.

Estava dessa feita criada a situação de vulnerabilidade para que o sistema conseguisse realizar o que não logrou nos quatro primeiros anos da operação.

A propósito, a Lava Jato também não pode ser contada sem nos lembrarmos das multidões que enchiam avenidas e praças das cidades brasileiras, clamando pela moralidade e pelo “fim da corrupção”. Mas ali, nas mobilizações das massas, foi também gestado o apoio popular a um presidente que se mostrou tão ou mais corrupto e deletério do que os políticos alcançados pela operação.

Como registro, o termo “lavajatismo” foi redefinido para pior. E, curiosamente, os que hoje seguem se dizendo lavajatistas guardam uma conduta – de fanatismo – que em muitos aspectos se assemelham ao observado em grupos bolsonaristas.

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Não nos surpreenderia se constatássemos que milhares de manifestantes vestidos de verde e amarelo, que durante os primeiros 4 anos da Lava Jato, estiveram nas ruas em apoio à operação (e contra a corrupção), também engrossaram manifestações que apoiavam o golpe de Estado, durante o governo Bolsonaro e, por fim, igualmente compareceram à manifestação de 25 de fevereiro de 2024, que pediu – na Avenida Paulista – a anistia para os crimes cometidos pelo ex-presidente.

Por oportuno, cabe reforçar que os esquemas de corrupção sistêmica levados a cabo por estruturas de delinquência institucionalizadas devem ser enfrentadas por instituições, e não por indivíduos. Essa é a mais importante das lições que podemos tirar da trajetória de ascensão e queda da Lava Jato. Por isso, é fundamental que as instituições sejam não apenas fortalecidas, como também blindadas de influência política. A transformação, na imaginação das pessoas, de agentes públicos em salvadores da pátria, em santos ou mitos, só serve para aprofundar a frustração da sociedade.

Outra lição é que tão ou mais importante do que processos criminais que alvejam esses esquemas, é a construção de bons arcabouços legais de controle e fiscalização, para além da repressão propriamente dita. Esforços de prevenção, promoção de transparência nos processos, de ampliação da competição nas licitações, são medidas que carregam um poder extremamente transformador.

Por oportuno, os ideais de justiça aflorados pela Lava Jato encontram-se hoje aparentemente adormecidos na sociedade. A frustração com seu desfecho parece que anestesiou a todos; e o pior é que esse estado de descrédito nas instituições representa uma ameaça à própria democracia.

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A corrupção segue preocupando a sociedade brasileira, segundo pesquisas recentes. Mas tal preocupação não tem mais tração para levar multidões às ruas em prol da causa, e nem para impedir que antigos alvos da Lava Jato voltem a ser indicados ou eleitos para cargos relevantes. Isso se deve em grande parte à profunda polarização política que o nosso povo experimenta. E o zeitgeist agora é outro, o que torna improvável a Lava Jato ser revivida, embora o passado siga sendo uma obra ainda em aberto…

Por fim, apesar da clara percepção de que um ciclo se fechou com a derrocada da operação, a demanda por integridade certamente irá retornar, até porque as cordas seguem sendo esticadas. Contudo, quando isso ocorrer será por conta de um novo acontecimento, seguramente acionado por um outro gatilho da História.

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