Hoje em dia deve estar muito difícil para os apoiadores – pensantes – do presidente Bolsonaro ainda acreditarem na sua agenda anticorrupção.
Transcorrido quase um ano do desembarque de Sergio Moro do governo, seguiu-se uma sequência de posturas, por parte de Bolsonaro, frontalmente contrárias ao bom enfrentamento do flagelo que mais incomoda a sociedade brasileira, e cuja bandeira de “combate sem tréguas” foi justamente o que o levou ao Planalto em 2018.
Bolsonaro apoiou abertamente a eleição de Artur Lira para a presidência da Câmara dos Deputados, mesmo conhecendo sua condição de líder do fisiológico Centrão e de réu em dois processos criminais em curso no Supremo Tribunal Federal, sendo um por corrupção e outro por lavagem de dinheiro.
O Congresso e a pseudo elite política que comanda o país, com representantes de todas as matizes ideológicas, esqueceram suas diferenças e uniram-se em torno de um só objetivo: enterrar a Operação Lava Jato, anular seus efeitos, retroceder com suas conquistas e, principalmente, nocautear aqueles que a operaram e que de alguma forma a simbolizam.
Escolhas equivocadas como a de Augusto Aras para a Procuradoria Geral da República, e a de Kassio Nunes para o Supremo Tribunal Federal – e as medidas e decisões por eles tomadas desde suas posses – corroboram com a convicção de que o bolsonarismo é hoje o maior adversário da Lava Jato.
Vivemos um momento bastante complicado, que o professor americano Edgardo Buscaglia, da Columbia Law School, de Nova York, chama de contra-reformas mafiosas, e a economista Maria Cristina Pinotti, coautora e organizadora da obra Corrupção: Operação Mãos Limpas e Lava Jato, chama de refluxo, popularmente conhecida como “fase do abafa”, conforme os especialistas que estudam a teoria da corrupção, como fenômeno político e das relações institucionais e humanas, em diversos países
O fortalecimento e empoderamento do Centrão, as tentativas de desmonte da Lava Jato e o aparelhamento de órgãos controladores e de setores do Judiciário apontam para um objetivo final que seria – absurdamente – a própria legalização da corrupção, a ser obtida com a paulatina desconstrução e enfraquecimento dos arcabouços legais e institucionais que deram suporte à obtenção dos resultados da Lava Jato, como bem colocou Maria Cristina Pinotti.
Trata-se, contudo, de tarefa inglória, pois como já dissemos algumas vezes, a Lava Jato é um patrimônio imaterial da sociedade brasileira, tratando-se de grandeza de natureza abstrata e inatingível, pois se consubstancia na própria consciência de que somos roubados dia e noite, há décadas, por segmentos da nossa “elite” política.
Esse conhecimento só perderíamos se lograssem apagar as nossas memórias.