Ousada apresentação do artista Mirai Moriyama na abertura da Olimpíada de Tóquio foi mais uma homenagem àqueles que já partiram
Por Piti Koshimura
Atualizado em 24 jul 2021, 08h28 - Publicado em 24 jul 2021, 08h00
Carregada de significados, especialmente em tempos pandêmicos, a apresentação do artista Mirai Moriyama foi um momento marcante da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Indo do sombrio ao belo, o ator e bailarino evocou uma leitura do butô, arte performática japonesa que faz referência à vida, à morte e ao renascimento.
Num período de intensas transformações, ao custo de mudanças sociais profundas, o butô surgiu no pós-guerra como um movimento de contracultura. Em meio a um cenário envolvendo a ocupação norte-americana, o processo de reconstrução e de ocidentalização do país, Tatsumi Hijikata criou uma dança que evocava a imagem de um corpo debilitado. Segundo Ana Medeiros, bailarina, professora e coreógrafa, Hijikata revelava um corpo morto tentando se reerguer das cinzas, buscando encontrar a sua identidade.
Já Kazuo Ohno, outro grande expoente do butô, que teve forte atuação no Brasil, dizia que a vida e a morte andam costas com costas, assim como a mente e o coração, que não podem ser separados um do outro. Ohno, que havia lutado em guerras por nove anos durante o período de expansionismo militar japonês, entre as décadas de 30 e 40, tinha na memória os horrores que testemunhara. Quando retornou ao país, se comprometeu a dançar a vida de todos aqueles que haviam passado por ele.
Ainda de acordo com Ana, que chegou a realizar cinco residências artísticas com o mestre Yoshito Ohno, filho de Kazuo: “o corpo presencia a vida, mas ele carrega a memória do passado. Carrega a vida de todos aqueles que passaram por nós. É um corpo que vai testemunhando o tempo, tragédias e belezas da natureza. Tudo isso carregamos nos músculos, nos ossos, nas caminhadas”.
Com a decisão ousada de incluir uma performance que remete a uma arte marginal em suas origens, a edição japonesa dos Jogos se propôs a fazer da chamada “dança das trevas” uma homenagem, criando um momento de encontro entre os vivos e aqueles que já partiram.
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Piti Koshimura mora em Tóquio, é autora do blog e podcast Peach no Japão e curadora da Momonoki, plataforma de cursos sobre o universo japonês. Amante de arquitetura e exploradora de becos escondidos, encontra suas inspirações nos elementos mundanos. (@peachnojapao | @momonoki_jp)
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