Entre os campos de extermínio espalhados pelos nazistas na Polônia ocupada, o de Sobibor era o que ficava mais ao Leste, já na fronteira com a Ucrânia e Belarus. Recebeu, portanto, um grande número de judeus e prisioneiros de guerra russos e de outros países da União Soviética. E não só os soviéticos (e, hoje, os ex-soviéticos) têm uma conta pesada a acertar com o nazismo – 27 milhões de mortos, boa parte deles civis, o total mais cruel da II Guerra Mundial –, como Sobibor foi palco de um evento raro: um levante parcialmente bem-sucedido dos prisioneiros contra os guardas, em 14 de outubro de 1943. Houve levantes em outros campos – em Treblinka e até no megacomplexo de Auschwitz-Birkenau –, mas o de Sobibor foi um dos poucos a ter algum grau de êxito: entre 50 e 150 (as estimativas variam) dos cerca de 300 fugitivos nunca foram recapturados, e a quebra de segurança foi tão constrangedora que logo em seguida os alemães desativaram o campo, demoliram-no e plantaram um pinhal sobre ele. Sobibor, o filme, também é um item mais ou menos singular: embora não faltem dramas russos sobre a II Guerra em geral, poucos tratam dos campos de extermínio – e um número menor ainda deles chega aos cinemas brasileiros.
Ator de longa carreira (O Procurado, Guardiões da Noite e Guardiões do Dia são os títulos dele que passaram por aqui), Konstantin Khabenskiy estreia como diretor com Sobibor, e faz um trabalho excelente. Cineastas russos costumam ter um senso de composição visual matador, e Khabenskiy não é exceção: lidando com uma paleta de marrons esmaecidos e usando uma câmera ágil mas contida (nada de treme-treme aqui, felizmente), ele se aproveita da própria apresentação dos personagens – boa parte deles gente cujo papel nessa história é conhecido, como o oficial sovíético Alexander Pechersky, interpretado pelo próprio diretor – para ir conduzindo o espectador pela geografia do campo e pelo que ela significava: dependendo do percurso, morte imediata em câmaras de gás alimentadas pelo escapamento de um motor (aqui ainda não se usava o infame Zyklon-B), ou um período de trabalho antes da morte, que era sempre inevitável. Como em outros campos, em Sobibor recorria-se a teatrinhos macabros para manter a calma entre os prisioneiros que iam desembarcando dos trens: quarteto de cordas tocando na plataforma da estação (os músicos, esquálidos e sujos, só deviam enganar os mais loucamente esperançosos), oficiais de avental branco para dar a impressão de que eram médicos, promessas de cama e comida depois do banho. Do qual, claro, ninguém jamais voltava.
Para os que não iam para o “banho”, começava aí a rotina terrível de quase morrer várias vezes ao dia – de medo, de fome, de frio e da certeza do que viria, já que, para os prisioneiros em trabalho, o método de controle era outro: execuções aleatórias, por qualquer motivo fútil. Não é que o massacre físico e psicológico dos campos de extermínio seja novidade no cinema, ou que este filme dê a ele uma dimensão nova (como o faz a obra-prima húngara O Filho de Saul): é o ponto de vista russo que o torna tão diferente – tão fatalista, tão desesperançado nos repentes de heroísmo dos seus personagens, tão imerso no horror maior da II Guerra, e especialmente no sofrimento tenebroso que se desenrolava no front leste. Para quem guarda alguma lembrança de Fuga de Sobibor, aquele filme cheio de tons épicos de 1987, estrelado por Rutger Hauer no papel do líder Alexander Pechersky, o Sobibor de Khabenskiy é um rude despertar.
Trailer
SOBIBOR Rússia/Alemanha/Lituânia/Polônia, 2018 Direção: Konstantin Khabenskiy Com Konstantin Khabenskiy, Christophe Lambert, Mariya Kozhevnikhova, Maximilian Dirr, Michalina Olszanska, Phillippe Rienhardt Distribuição: A2 Filmes |