Vincent Lindon, um ator magnífico, compensa toda a chantagem emocional do filme
Thierry (o estupendo Vincent Lindon), operário de uma fábrica, é demitido num corte de pessoal. Já passado dos 50 anos, tem de entrar na batalha por um emprego. O diretor Stéphane Brizé filma esse difícil percurso em planos longos, quase sem cortes, à maneira documental e naturalista dos irmãos Dardenne (A Criança, O Garoto da Bicicleta, Dois Dias, Uma Noite): Thierry tem uma discussão amarga com um funcionário da agência de recolocação, porque apesar de ter sido remunerado pelo retreinamento no qual investiu quatro meses do seu tempo, o curso não servirá para nada. Thierry, com o rosto crispado de preocupação, janta com a mulher e o filho, que sofre de paralisia cerebral severa; o garoto é bom aluno e quer fazer faculdade, mas o estipêndio a que ele tem direito não cobrirá integralmente as despesas com um cuidador – uma reunião com o diretor da escola do filho, porém, convence-o de que vale a pena planejar a ida do filho para a universidade. Thierry discute com a gerente do banco sobre se deve ou não vender seu apartamento. Faz uma entrevista de emprego por Skype, constrangido e inseguro. Tenta vender um bangalô na praia, mas o comprador negaceia no preço combinado e Thierry se ofende. Junto com outras pessoas à procura de emprego, adere a um treinamento para se apresentar de maneira mais eficaz em entrevistas; mais constrangimento e insegurança. Thierry vai, afinal, trabalhar como segurança em um supermercado, vigiando os corredores e caixas in loco ou pelas câmeras de segurança, para detectar furtos e fraudes. Não é uma colocação dos sonhos para um sujeito que, apesar do ar sempre austero e introvertido, é extremamente sensível às desventuras alheias. Põe comida na mesa, claro – mas o filme termina em uma nota triste, melancólica, de derrota.
Eu poderia ver este filme de Stéphane Brizé, de Mademoiselle Chambon, apenas pelo meu lado mais cínico: tudo aquilo que o diretor acha trágico, humilhante e desmoralizante é algo que os desempregados brasileiros dariam um braço para ter – programas de retreinamento e cursos de apoio patrocinados pelo estado, seguro-desemprego decente por muito mais que os cinco meses nacionais, conversas francas e realmente esclarecedoras com o banco, atenção verdadeira por parte do diretor da escola do filho, bolsa quase integral da universidade.
Brizé, cujo título original para o filme é “A Lei do Mercado”, quer, por meio da história de Thierry, execrar a globalização e o neoliberalismo desalmados – enquanto eu, desta distância daqui, estou vendo um sistema que talvez não seja perfeito e que tem lá suas crueldades, mas que de fato existe; e que conduz Thierry a uma recolocação que, sim, põe à prova suas convicções, mas provavelmente menos do que ter de vender o imóvel que é o porto seguro da família ou abreviar o futuro acadêmico do filho. Fico um bocado incomodada também com a seleção forçada dos casos que Thierry tem de resolver (o que ele faz com muita gentileza e respeito, aliás) no novo emprego: aparentemente, 100% das pessoas que furtam em supermercados o fazem por necessidade. A França, que notícia alvissareira, conseguiu abolir da natureza humana a pilantragem.
Mas… e que mas! Vincent Lindon vale todo esse chororô de Stéphane Brizé e mais um tanto. Que ator magnífico, e que compreensão ele tem do seu personagem. Sozinho, Lindon ultrapassa todas essas questões mais conjunturais, digamos assim, para chegar a um ponto bem adiante delas: sentir-se à margem e inadequado, perder o chão, duvidar de si mesmo, engolir o orgulho, enfrentar o escrutínio de estranhos, ter medo de falhar com a família ou de não ter um futuro, aceitar que o futuro não será como se imaginou – Lindon retrata essas coisas pelo que elas são: dores fundas e universais. E como elas doem.
Trailer
O VALOR DE UM HOMEM
(La Loi du Marché)
França, 2015
Direção: Stéphane Brizé
Com Vincent Lindon, Karine de Mirbeck, Matthieu Schaller
Distribuição: Imovision