Assine VEJA por R$2,00/semana
Isabela Boscov Por Coluna Está sendo lançado, saiu faz tempo? É clássico, é curiosidade? Tanto faz: se passa em alguma tela, está valendo comentar. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

Na série ‘The Mosquito Coast’, pai narcisista põe família em fuga infernal

A produção altera e reconfigura o romance do americano Paul Theroux — e não só o enraíza no contexto atual como faz assim justiça plena ao seu espírito

Por Isabela Boscov Atualizado em 7 Maio 2021, 13h43 - Publicado em 7 Maio 2021, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Em uma entrevista recente, o americano Paul Theroux disse que, ao escrever o romance A Costa do Mosquito, publicado em 1981, imaginou o personagem de Allie Fox como um Joseph Smith, o febril fundador do mormonismo, ou como um Jim Jones, o líder da seita que apenas três anos antes, em 1978, induzira mais de 900 de seus seguidores ao suicídio coletivo — um homem tão envolvido com as próprias convicções que seu universo começa e termina nelas, e tão narcisista que é ao mesmo tempo o profeta e o deus que ele anuncia. Mas o rebanho de Allie é pequeno: consiste na mulher e nos dois filhos, cuja vida ele domina em todos os aspectos e aos quais prega sem descanso sua doutrina de autossuficiência, de crítica ao consumismo e de indignação com a letargia intelectual e o conformismo bovino em que a América se acomodou. Allie imagina um outro mundo para si e a família — um mundo que eles mesmos vão forjar a partir do mínimo de recursos, mais ou menos como a fábrica de gelo que ele acabou de inventar, capaz de funcionar só à base de água e fogo, sem eletricidade.

    Publicidade

    + Compre o livro A Costa do Mosquito, de Paul Theroux

    Publicidade

    No livro e na sua adaptação fiel — mas não muito bem-sucedida — de 1986 para o cinema, essa fábrica é a quimera que faz Allie transplantar o clã dos Estados Unidos para uma parte selvagem da América Central. Não, porém, em The Mosquito Coast (Estados Unidos, 2021), cuja primeira temporada acaba de estrear na AppleTV+. Aqui, mal o espectador tem a chance de ver os Fox em seu hábitat espartano — uma velha casa de fazenda na Califórnia em que telefones, celulares, televisão e computadores são proibidos — e eles são descobertos e se põem em fuga da NSA, a Agência de Segurança Nacional. A razão pela qual o governo persegue os Fox é um mistério que não será elucidado até o desfecho desta temporada inaugural (três dos sete episódios já estão disponíveis): estrito senso, só um quarto do livro foi utilizado nesta primeira leva.

    **ATENÇÃO** NÃO REUTILIZAR ESTA IMAGEM, SUJEITO A COBRANÇA POR USO INDEVIDO**FOTO EXCLUSIVA PARA A UTILIZAÇÃO APENAS NA REVISTA VEJA**
    O AUTOR - Paul Theroux: experiência em ser estrangeiro e sensibilidade aos climas da cultura e dos tempos – (David Clynch/Alamy/Fotoarena/.)

    As alterações em relação ao enredo original são tão numerosas e profundas que “reimaginação” é o termo mais adequado para a série. E, no entanto, ela encarna à perfeição o espírito de derrocada e de paradoxo em que o romance foi escrito, e a era de certezas e verdades absolutas para a qual foi adaptado: os Fox desprezam a arro­gân­cia e a indiferença americanas, mas as levam consigo em cada passo da viagem, dispondo à sua conveniência das pessoas (Paul Theroux é um viajante experimentadíssimo, e sabe do que fala). Sobretudo, o criador Neil Cross, de Luther, encontra um Allie ideal em Justin Theroux, que é sobrinho de Paul mas, mais importante, um ator excelente, um roteirista respeitado e — aí, sim, o parentesco pode ter algo a dizer — alguém íntimo da visão e da trajetória do tio.

    Publicidade
    Continua após a publicidade

    + Compre o livro em inglês The Mosquito Coast, de Paul Theroux

    É mérito de Justin que Allie agora não mostre só o lado exaustivo que Harrison Ford tornou preponderante no filme de 1986, dirigido por Peter Weir — a mania de grandeza e de certeza, o otimismo delusório, a energia desenfreada, o controle ferrenho sobre a família. No desempenho repleto de nuances de Justin, essas qualidades exasperadoras vêm entremeadas com lábia, com sedução, com uma aptidão prática que é um prazer em si mesma e com uma capacidade real para a alegria. Allie irrita, mas também contagia. É por isso, por exemplo, que consegue persuadir dois “coiotes” a ajudá-lo a empreender uma fuga ao contrário, dos Estados Unidos para o México, cruzando a fronteira pelo Deserto de Sonora — uma extensão tão mortal que a natureza ali é que faz o trabalho de patrulha. As consequências são dramáticas e de longa repercussão. E Allie, que tanto se orgulha de tirar a família de perigo após perigo, não registra que ele mesmo é que os cria, um após o outro, e deixa um rastro de vítimas colaterais atrás de si.

    Publicidade

    + Compre o livro Coração das Trevas, de Joseph Conrad

    Também a mulher de Allie, Margot, e os filhos ganham impacto redobrado sobre os rumos da história. Margot é um enigma, mas Melissa George, que a interpreta, deixa pistas sobre um passado tão complicado quanto o do marido, ou mais. Como no livro, o caçula Charlie (Gabriel Bateman), de seus 14 anos, idolatra o pai. Mas não só os traumas da viagem começam aqui a conferir expressões sinistras à idolatria, como ele perde a posição de principal ponto de vista para Dina (Logan Polish), 15 anos e única detentora de clareza e senso de absurdo na família. Bateman e Polish estão fantásticos em seus papéis: dois adolescentes a quem o pai promete uma aventura como a de A Família Robinson enquanto os conduz para o horror de O Coração das Trevas.

    Publicidade
    Continua após a publicidade

    Publicado em VEJA de 12 de maio de 2021, edição nº 2737

    CLIQUE NAS IMAGENS ABAIXO PARA COMPRAR

    Publicidade
    A Costa do Mosquito, de Paul Theroux
    A Costa do Mosquito, de Paul Theroux
    The Mosquito Coast, de Paul Theroux
    The Mosquito Coast, de Paul Theroux
    Coração das Trevas, de Joseph Conrad
    Coração das Trevas, de Joseph Conrad

    *A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.

    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Domine o fato. Confie na fonte.

    10 grandes marcas em uma única assinatura digital

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 2,00/semana*

    ou
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 39,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.