Talvez o meu episódio preferido ainda seja o primeiro, em que uma moça muito individualista e independente experimenta namorados como quem prova roupas numa loja – e sai sempre sem comprar a peça. Na verdade, o homem mais importante na vida de Maggie (Cristin Milioti) já está lá: é o porteiro do prédio, Guzmin, um albanês de meia-idade, passado misterioso (guerras e guerrilhas são sugeridas), modos formais, postura impecável e jeito seco que, na interpretação excelente de Laurentiu Possa, deixa entrever sob tudo isso sua delicadeza. Guzmin ampara Maggie nos momentos difíceis sem que ela nunca precise pedir. Ele não é adivinho; ele presta atenção. E o que pode haver de mais antigo na história das emoções humanas do que o desejo por uma figura protetora, que apoie incondicionalmente, sem nada pedir em troca? Baseada em uma coluna muito interessante do jornal The New York Times, a série em formato de antologia da Amazon meio que desmente seu título a cada episódio: não há essencialmente nada de “amor moderno” – seja lá o que for isso – nas oito historietas de Modern Love. Ao contrário: quanto mais elas se concentram no simples e no constante, mais bem-sucedidas são.
Tome-se, por exemplo, o episódio em que Anne Hathaway é Lexi, uma advogada de sucesso que, entretanto, é sabotada semana sim, semana não pelas suas fases de depressão. Lexi é bipolar; quanto está para cima, está para cima mesmo. E, quando está para baixo, está no fundo do poço, sem corda para subir. Lexi quer se apaixonar e ter um namoro, mas mesmo um sujeito encantador como Jeff (Gary Carr), que ela conhece no supermercado, teria dificuldade em entender essas mudanças bruscas de ânimo. Até o emprego de Lexi está em perigo, apesar de sua chefe gostar muito dela e querer ajudá-la. E aí está a chave do episódio: muito antes de ter um problema de solidão romântica, Lexi tem um caso sério de solidão emocional; o que ela mais precisa é de alguém com quem possa baixar a guarda e se abrir um pouco. Nada de novo ou de moderno, portanto.
Assim como não há não nada de moderno no rapaz (Dev Patel, uma graça) que nunca se recuperou de ter deixado a noiva escapar dois anos antes e, a conselho de uma mulher mais velha que o entrevista para o jornal (Catherine Keener), toma uma decisão antiquíssima, embora não muito usada: voltar atrás. A pretensão moderna do episódio é fazer do rapaz o inventor de um app de relacionamentos – mas creio que, se ele fosse instalador de carpete, ao fim e ao cabo daria tudo na mesma. Daria tudo na mesma, também, se Yasmine (Sofia Boutella), a moça do episódio mais luminoso de todos, não estivesse sempre postando no Instagram: o desejo de aprovação é outra dessas coisas que já nasceram com a humanidade. No início do episódio, Yasmine é vista manifestando essa necessidade de maneira bastante convencional: na escada rolante que sobe, ela lança olhares discretos para os homens que descem na escada ao lado, e não há nenhum que deixe de virar a cabeça para olhar de volta. Yasmine é bonita mesmo, e segura, e desenvolta – e Rob (John Gallagher Jr.) mal acredita que está no segundo encontro com ela. Um encontro pode ser sorte; dois encontros são motivo de esperança. A esperança quase naufraga quando um acidente doméstico faz com que Rob tenha de correr para o hospital; mas ela aumenta e se renova quando Yasmine dá sinais de que pretende passar a noite inteira ao lado dele na emergência. É lindo, escrito à perfeição e maravilhosamente interpretado pelo par principal – mas moderno não é, nem precisaria ser.
Outros episódios, porém, parecem ideias descartadas por Woody Allen. Por exemplo, aquele em que Tina Fey e John Slattery (ele, muito bem) fazem um casal que está meio no fim da linha, ou outro em que Catherine Keener e Andy Garcia se reencontram depois de décadas pensando um no outro. E o oitavo episódio foi uma decepção quase completa: fala de encontrar um novo amor na velhice, o que poderia render um conto sensacional – exceto pelo fato de que este aqui não passa de um monte de clichês requentados. Parte do problema está na limpeza promovida nas historietas do New York Times pelo criador da série, o irlandês John Carney (que dirigiu os muito bacanas Apenas Uma Vez e Mesmo se Nada Der Certo). Carney simplificou as emoções, digamos assim: tirou de cena os sentimentos mais confusos, ambíguos e destrutivos e, quase sem excessão, tornou os personagens pessoas agradáveis e adoráveis. A tática derrota a razão real de ser de dois episódios cheios de promessa – um com Andrew Scott e Olivia Cooke, e outro com Julia Garner e Shea Wigham. Adoro os quatro atores, e eles dão tudo de si para suas histórias – mas faltam arestas afiadas em que eles possam se machucar mais. E, por falar em cantos arredondados, John Carney arremata a série alivanhando todas as histórias, em um fecho desnecessário e que é o mais comum entre os lugares-comuns. Ainda assim, valeu ter assistido tudo. Além de ter grandes momentos, Modern Love prova que amor é amor e pronto, seja ele moderno ou à moda antiga.