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Minissérie ‘Julia’ celebra a mulher que levou culinária para as massas

Na década de 60, ela ensinou os americanos a se aventurar na gastronomia (entre muitas outras coisas). A atração da HBO demonstra o arrojo que isso exigiu

Por Isabela Boscov 2 abr 2022, 08h00
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  • Em 1948, a californiana Julia Child, ex-pesquisadora da agência de Inteligência que deu origem à CIA, mudou-se para Paris com o marido, o diplomata Paul Child, e descobriu o que só gastronomias como a francesa podem revelar: gratificar o paladar é não só um dos prazeres mais completos, como uma atividade que predispõe o praticante aos outros prazeres sensuais e, por que não, espirituais da vida. Conhecida pelos níveis transbordantes de energia e iniciativa, Julia fez o que, à época, era uma façanha: entrou na escola Le Cordon Bleu e saiu de lá uma chef ou, como preferia dizer, uma cozinheira — e, em 1961, lançou com a amiga Simone Beck um clássico, Dominando a Arte da Cozinha Francesa, que explicava tim-tim por tim-tim como executar 524 receitas que de outra forma as americanas (ninguém então cogitaria incluir homens entre o público-­alvo) veriam como um Himalaia culinário. Entretanto, em 1962 os boêmios e viajados Child se viram de volta a Boston, a cidade de Paul, sem perspectiva de novas aventuras. A maior delas, porém, estava por começar — e é esse o ponto de que parte Julia, a apropriadamente deliciosa série que acaba de estrear na HBO Max.

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    Não há nada aqui de requentado, e a série recorre a ingredientes e preparos bem diversos daqueles vistos no filme Julie & Julia, de 2009. Meryl Streep era um deleite arrulhando para soles meunière e suspirando com sauces béarnaises, mas a Julia da soberba atriz inglesa Sarah Lancashire é irresistível à sua própria maneira, e pelas outras facetas dela que emergem aqui. Convidada para falar de seu livro em um programa literário da minúscula TV pública local, Julia escolhe os atos às palavras: arruma uma chapa quente, saca da bolsa frigideira, ovos e manteiga (mais sal e pimenta, claro) e, após se ajoelhar no chão à cata de uma tomada, prepara uma omelete úmida e cremosa diante do atônito e esnobe apresentador. Sucesso: a emissora recebe um recorde de 27 cartas. Muitas tratativas e subterfúgios depois, Julia inicia seu experimento inédito, que se provaria colossalmente popular e influente: o programa The French Chef, em que, sempre tagarelando com seu jeito único e espirituoso, ensinava mulheres e agora também homens a destrinchar aves e então cercá-las de molhos esplêndidos, levar suflês às alturas, assar bolos pecaminosos e metamorfosear a compra no supermercado do bairro em coisas de dar água na boca. No país da comida enlatada e do jantar congelado, ela foi a precursora do food porn: descortinou um mundo de sabores e ensinou a ter curiosidade, a pôr para lá a culpa asso­cia­da à comida e a errar. Queimou, grudou, empelotou? Ou há jeito ou não há, e bola para a frente.

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    Muito mais que uma maneira de abordar a culinária, Julia expressou uma filosofia de vida, e é a ela que a série tão bem faz justiça. Virou-se como pôde para bancar a produção, porque era algo que queria e queria muito. Fez amigos antigos mergulharem junto com ela no projeto, como Avis DeVoto (Bebe Neuwirth), a quem The French Chef arrancou de um luto prolongado, e a editora Judith Jones (Fiona Glascott), que estava no primeiro terço de seu trajeto rumo ao Olimpo literário. Deu a primeira chance a muitos jovens profissionais, aqui representados na figura de uma jovem assistente, Alice Naman (Brittany Bradford), e transformou a carreira de outros, como o produtor Russ Morash (Fran Kranz), que se tornaria um pioneiro na TV americana. E viveu tudo isso a par e passo com Paul (David Hyde Pierce), com quem teve um casamento que, como descreveu a VEJA o criador da série, Daniel Goldfarb, foi sempre ótimo, mas passou de tradicional a moderno no espaço da primeira temporada de The French Chef.

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    Aos 51 anos, quando inaugurou o programa, e com 1,88 metro de altura, cintura ampla, voz esganiçada e exuberância incontível, Julia é não raro lembrada como figura folclórica. Mas, nos esforços conjuntos do elenco e dos criadores, o que vem para o primeiro plano na série são justamente a modernidade e a independência de uma mulher que confiou mais em si do que nos outros e virou ícone pela força da personalidade (em um dos episódios, a decana do feminismo Betty Friedan fere Julia na alma ao dizer que ela é uma agente do retrocesso). O mais surpreendente ao espectador de hoje, porém, talvez seja algo tão antigo que virou novo, e que Sarah Lancashire expressa com habilidade incomum: a desprevenção com que ainda era possível a uma pessoa olhar na lente de uma câmera e ser apenas ela mesma.

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    Publicado em VEJA de 6 de abril de 2022, edição nº 2783

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