Jimmy Logan (Channing Tatum) está no fim da linha. Não que jamais tenha estado muito no começo dela: matuto da Virgínia Ocidental que vive na eterna pindaíba, Jimmy perdeu o emprego na mina por causa de seu joelho ruim (era para ele ser um astro do futebol, mas deu tudo errado); a caminhonete enferrujada dele está nos últimos suspiros; a ex-mulher (Katie Holmes) se casou com um dono de concessionária e vive esfregando na cara dele suas novas riquezas; e, afinal uma boa notícia, a filha pequena de Jimmy (a fofésima Farrah Mackenzie) continua o idolatrando, mesmo quando ele se confunde e não aparece nos dias marcados. Clyde (Adam Driver), o irmão de Jimmy, acha que os Logan têm um azar incomum. Ele próprio perdeu um braço no Afeganistão quando já estava para subir no avião de volta para casa, e agora tem de trabalhar num boteco e aguentar as piadas por ser um barman maneta. Mellie (Riley Keough, neta de Elvis Presley), a irmã deles, é espertíssima, mas nem assim consegue sair do emprego de cabeleireira num salão mixo. Todos os três falam com aquele sotaque denso e arrastado do interiorzão, e nenhum deles tem cara de gênio do crime. Mas Jimmy tem uma ideia brilhante (ou seria desastrosa?): roubar o cofre do circuito de Nascar em Charlotte bem no dia da prova das 600 milhas, quando chove dinheiro ali dentro – e quando há policiais e seguranças fervilhando pelos corredores. Mais: quem vai explodir o cofre é o notório arrombador Joe Bang (Daniel Craig). Que Joe Bang – nome verdadeiro, não apelido – esteja na prisão é um detalhe que não parece incomodar Jimmy. Joe topa (jura?), mas obriga Jimmy a incluir na jogada seus dois irmãos paspalhos. Esses, aliás, têm cara de paspalhos, falam e agem como paspalhos e, sim, são paspalhos mesmo. E pronto, o diretor Steven Soderbergh põe a coisa toda para rodar, e os irmãos Logan para planejar e executar seu roubo mirabolante.
Se Soderbergh tem uma carreira paralela como ladrão de cofres e cassinos ninguém sabe, mas os planos que ele bola para seus filmes são tão extravagantes e, apesar dos milhões de detalhes, tão bem-sucedidos, que se ele estiver fazendo isso na vida civil vai ser difícil que o peguem. Logan Lucky se adianta e faz ele próprio a piada: é Onze Homens e Um Segredo em versão caipira, com John Denver, Patsy Cline e Loretta Lynn na trilha sonora em vez de Elvis Presley e Perry Como. É delicioso: Soderbergh está no seu mais ágil e fluido (o que, no caso dele, não é pouco), as tiradas são ótimas, os diálogos são impagáveis e o elenco visivelmente está adorando o trabalho (todo mundo foi pago pela tabela do sindicato, para depois ganhar participação na bilheteria). Como Soderbergh escreve o roteiro, dirige, opera a câmera e depois edita o filme, está tudo ali, na cabeça e na mão dele, e não há cineasta que saiba brincar assim com o tempo da ação – tirando dele todos os instantes passivos e usando os cortes bruscos para efeito humorístico e também como dica de que há algo ali que ele não mostrou mas que, mais para a frente, pode ser importante. Reveja os filmes dele – O Inventor de Ilusões, Irresistível Paixão, O Estranho, Erin Brockovich, Traffic, O Desinformante!, Contágio e, claro, os vários Homens e Um Segredo, e repare como ele é bom em deixar só o sumo na tela. Logan Lucky aproveita também para dar uma alfinetada na plateia também: você ouve o sotaque, olha as roupas e confere os gostos dessas pessoas e já parte do princípio que elas são idiotas – pois está redondamente enganado.
Logan Lucky é ótimo em mais de um sentido, porque põe fim à aposentadoria voluntária de Soderbergh do cinema. Soderbergh sempre filmou num ritmo que, para um diretor que também é o roteirista, o câmera e o montador, é próximo do alucinado: fez 26 filmes em 24 anos, entre 1989 e 2013, sem contar documentários, curtas-metragens e a ocasional série de TV. Pois Soderbergh partiu meu coração quatro anos atrás quando, ao lançar Terapia de Risco, disse que aquela seria sua última incursão no cinema: estava pelas tampas com a máquina de marketing dos estúdios, tão esmagadora que tinha se tornado muito mais importante do que os próprios filmes, e achava que o cinema simplesmente não valia mais a pena. Foi pensar na vida e fazer TV – o telefilme Behind the Candelabra, sobre a estranhíssima relação de Liberace com seu namorado, e duas temporadas da série The Knick, com Clive Owen como um alucinado cirurgião nova-iorquino em 1900. Com Logan Lucky, ele achou um jeito de resolver sua bronca: virou também o distribuidor do filme, colocando-o em mais de mil salas nos Estados Unidos sem aquele esforço de promoção maciço que é a regra dos estúdios. Isso afeta a renda, sem dúvida. Mas, como o orçamento de produção foi modesto e a bilheteria vai direto para o bolso de quem trabalhou no filme, ficam elas por elas. Quando ganhou a Palma de Ouro em Cannes aos 26 anos por seu trabalho de estreia, sexo, mentiras & videotape, Soderbergh disse, no seu discurso de agradecimento: “Bom, acho que daqui para a frente é só ladeira abaixo”. Em uma coisa, ao menos, ele estava errado.
Trailer
LOGAN LUCKY – ROUBO EM FAMÍLIA (Logan Lucky) Estados Unidos, 2017 Direção: Steven Soderbergh Com Channing Tatum, Adam Driver, Daniel Craig, Riley Keough, Farrah Mackenzie, Katherine Waterston, Katie Holmes, David Denman, Seth MacFarlane, Jack Quaid, Brian Gleeson Distribuição: Diamond |