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Por Coluna
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Jogo do Dinheiro

Por Isabela Boscov Atualizado em 11 jan 2017, 16h19 - Publicado em 26 Maio 2016, 18h48

Na direção, Jodie Foster faz George Clooney refém da febre das finanças


Atenção: Apesar de tudo estar no Trailer, algumas pessoas podem considerar SPOILERS partes deste texto


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“A culpa não é minha”, “como eu poderia saber?”, “eu nunca disse isso”: no que diz e no que faz, Lee Gates, o personagem que George Clooney interpreta com verve e muito gosto em Jogo do Dinheiro, é de fato um cidadão deste mundo de agora, em que ninguém nunca, jamais, acredita ter responsabilidade individual por nada – e por que deveria, quando há tantos culpados tão mais merecedores desse encargo, como os pais, a professora, o vizinho, o chefe, o colega, a conjuntura, a oposição? Mas não assumir responsabilidade ou culpa é o supra-sumo da indiferença: é recusar-se a compreender o sofrimento ou o prejuízo que se causou. E, por extensão, é calcular o valor de outra pessoa como menor que o seu próprio. Esse é o ponto que Jodie Foster, em seu quarto trabalho como diretora, ataca de frente no exuberante, satírico e movimentado, embora às vezes ingênuo, Jogo do Dinheiro.

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Lee Gates tem um programa na TV a cabo, chamado Money Monster, que deve estar enchendo de ideias os executivos da Fox News: durante uma hora, todos os dias, o debochado Gates dança com moças de shortinho, improvisa raps, solta vinhetas de uma estupidez espetacular e exercita sua vulgaridade em qualquer outra forma que lhe ocorra – tudo para tornar mais agradáveis (sempre um conceito relativo) suas análises das movimentações do mercado financeiro e as dicas de investimentos que ele dá ao telespectador comum que o acompanha. Gates passou meses empurrando para seu público as ações de uma empresa chamada Ibis Clear Capital, que, segundo ele, é gerida por um gênio do setor, o bilionário Walt Camby (Dominic West). Alguns dias atrás, porém, algo aconteceu: 800 milhões de dólares simplesmente sumiram da carteira da Ibis; quem investiu nela perdeu tudo.

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O bilionário diz que a culpa – sempre ela – não foi de ninguém em particular, mas sim de uma falha num algoritmo. É sexta-feira, o último programa da semana, e Camby é esperado para dar entrevista e tranquilizar seus investidores. Camby não aparece; está em um lugar qualquer do mundo, a bordo de algum dos seus vários jatinhos. A produtora do programa, Patty Fenn (Julia Roberts, muito comedida), que já não aguenta mais, arrumou uma substituta para a entrevista – Diane Lester (Caitriona Balfe, da série Outlander), relações-públicas da Ibis. Mas nem dá tempo de pôr Diane no ar: um rapaz invade o estúdio e, apontando uma pistola para a cabeça de Gates, obriga-o a vestir um colete forrado de explosivos. Se alguém ousar desligar as câmeras, ou se Gates não seguir suas ordens, ou se o deixarem nervoso – o resultado será sempre o mesmo: ele vai soltar o polegar que está apertando o detonador e tudo irá pelos ares.

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Não está claro o que quer Kyle Budwell, o rapaz que o inglês Jack O’Connell interpreta com a energia inflamável e instável que foi a sua marca também em Encarcerado, 71 – Perdido em Belfast e Invencível. Todo o dinheiro que ele tinha no mundo, 60 mil dólares, evaporou no fiasco da Ibis, mas Kyle quase mata Gates quando este se oferece para preencher um cheque e repor suas perdas ali mesmo: não é disso que se trata, diz o rapaz. Trata-se de alguém dar justificativas convincentes e principalmente verdadeiras, porque essa história de algoritmo não cola. Diane, a relações-públicas, tenta explicar o que nunca foi explicado a ela. A polícia, que já cercou o prédio, localiza uma pessoa íntima de Kyle para falar com ele e trazê-lo de volta à razão – mas o tiro sai pela culatra, e com estrondo. Dentre todos, só a produtora Patty Fenn, que tem anos de experiência em falar e não ser ouvida, compreende qual a real frustração de Kyle: ele quer que alguém assuma a responsabilidade. Ou seja, que alguém estenda a ele o respeito a que ele tem direito, que demonstre entender a extensão do caos que essa perda, tão irrisória para os padrões de Gates ou Camby, causou em sua vida – que alguém, enfim, o trate como uma pessoa real, e não como uma abstração insignificante ou um dado descartável.

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A tese central de Jogo do Dinheiro claramente é cara ao elenco, todo ele investido ao máximo nos seus papeis (George Clooney, aliás, é um dos produtores), e sobretudo a Jodie Foster, que dirige com um calor e uma ebuliência inéditos em sua carreira, e com grande domínio do ritmo também. Minha ressalva vai para o trecho final do filme, apenas: embora a ação seja muito cinematográfica, ele exige uma série de desdobramentos altamente improváveis. Há, também, uma vontade de arredondar as arestas, de conciliar personagens e devolvê-los ao caminho do bem, que soa forçada e quase piegas.

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Mas o que quebra as pernas do desfecho, para mim, é a solução ingênua que se dá ao tema central do filme, o da responsabilidade: sujeitos como Walt Camby, ou como o infame Bernie Madoff, que cumpre pena de 150 anos de prisão por fraudes contra investidores, são encarnações menores de algo infinitamente maior – a estrutura de diluição da culpa em que tudo, hoje, opera, das corporações e do mercado financeiro aos governos. Dar um rosto ao problema, e puni-lo por sua indiferença e frieza, pode ser reconfortante, mas pouco ou nada altera o ambiente que faz os Walts e Bernies proliferarem. Para entender como fica longe o fundo desse poço, a recomendação é outra: arme-se de atenção e assista a Margin Call – O Dia Antes do Fim, e depois a A Grande Aposta. Há quem ache que eles são demasiadamente complicados e dão até um pouco de dor de cabeça. Mas é uma dor instrutiva – é o sintoma da loucura que se vê em cena.


Trailer


JOGO DO DINHEIRO
(Money Monster)
Estados Unidos, 2016
Direção: Jodie Foster
Com George Clooney, Julia Roberts, Jack O’Connell, Dominic West, Caitriona Balfe, Giancarlo Esposito, Christopher Denham, Lenny Venito, Dennis Boutsikaris, Chris Bauer, Emily Meade
Distribuição: Sony Pictures

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