Na base americana no Kuait, o soldado Matt Ocre (Nicholas Hoult) bate a porta de um carro várias vezes, com força, contra sua mão direita, até quebrá-la bem quebrada: Ocre se alistou no Exército porque tanta gente o fez logo em seguida ao 11 de Setembro, e para arrumar dinheiro para a faculdade. Ainda está à espera de embarcar para o que será a primeira leva da ocupação no Iraque, em 2003, mas já teve tempo de se arrepender; a guerra não é para ele.
A guerra, na verdade, não é para ninguém – nem para quem se sente à vontade nela, como o sargento Harper (Logan Marshall-Green), em cuja unidade Ocre afinal vai, sim, combater no Iraque a partir do dia em que tira o gesso do braço. O assunto deste filme produzido pela Netflix, muito bem escrito pelo roteirista estreante Chris Roessner e muito bem dirigido pelo paulista Fernando Coimbra, de O Lobo Atrás da Porta e alguns episódios de Narcos, não é a excitação do combate, e o eventual heroísmo: é a tensão constante, o medo de que qualquer pessoa na rua seja um insurgente com uma granada na mão e de que qualquer solavanco do Hummer seja o prenúncio de um explosivo escondido na estrada – e é, principalmente, a sensação de futilidade e de inutilidade do que se está fazendo.
Enviada para uma cidade pequena para restaurar o abastecimento de água – a tubulação foi pulverizada pelas bombas –, a unidade de Harper e Ocre entra numa espiral infindável de frustração. Todos os moradores precisam de água, mas nenhum quer ser mão-de-obra; ou eles têm medo da reação dos insurgentes, ou tomam o partido deles. O professor Kadeer (Navid Negahban), em cuja escola parte da população se refugiou, tenta ajudar, mas se expõe demais. O grupo que ele reúne para ajudar nos trabalhos considera humilhantes as revistas diárias e a supervisão dos soldados armados; a desconfiança é uma afronta, e faz ainda com que eles se sintam como o tipo de gente mais baixo de uma guerra – o que colabora com o inimigo. A cada passo, as retaliações dos insurgentes se tornam mais horripilantes, e as contra-ações do capitão Syverson (Henry Cavill, debaixo de uma senhora barba que o deixa quase irreconhecível) mais encorajam do que paralisam os rebeldes. E, no entanto, o que mais se poderia fazer, e de que outra forma se poderia agir?
A direção de Coimbra adota um rumo contrário ao de boa parte dos filmes sobre a guerra no Iraque e no Afeganistão. Em vez de abordar a história como um território a ser vencido, ela a configura como um ponto do qual é impossível sair, e no qual se afunda cada vez mais – ele a verticaliza, por assim dizer. De toda a produção pós-11 de Setembro, o que está mais próximo de Castelo de Areia é a estupenda série Generation Kill, da HBO, que foi muito pouco vista por aqui. Algo de muito importante que esses dois trabalhos têm em comum: eles não enfocam os mais bem treinados e bem equipados Marines, mas sim a infantaria do Exército, à qual coube entrar primeiro em peso no Iraque e arcar com o serviço braçal, sem glamour e sem glória, de pôr as botas no chão, como se diz. Tenso e envolvente, Castelo de Areia fica na lembrança, depois de acabar, pela amargura.
Só para terminar: essas coisas às vezes esbarram em direitos e contratos e nem sempre podem ser resolvidas. Mas eu bem que gostaria de ver a Netflix prestigiar Fernando Coimbra disponibilizando O Lobo Atrás da Porta na sua grade. Com Leandra Leal, Fabiúla Nascimento, Juliano Cazarré e Milhem Cortaz, o filme de 2013 conta uma história de paixões de subúrbio à moda de Nelson Rodrigues dentro de uma estrutura de policial, na qual três versões de um mesmo crime medonho serão oferecidas. Vale a pena ver.
Trailer
CASTELO DE AREIA (Sand Castle) Estados Unidos, 2017 Direção: Fernando Coimbra Com Nicholas Hoult, Logan Marshall-Green, Henry Cavill, Glenn Powell, Navid Negahban, Sammy Sheik, Tommy Flanagan, Beau Knapp, Neil Brown Jr., Ziad Abaza Onde: na Netflix |