Pequenos e valentes: 8 surpresas para ver na Netflix
Produções modestas mas cheias de garra e de originalidade vão do suspense ao faroeste
Cubo
(Cube, 1997)
Sem saber como, seis estranhos acordam num labirinto vertiginoso: cada compartimento dele é um cubo cujas faces se abrem para seis outros cubos, e assim ad infinitum. Pior: cada sala tem uma armadilha mortal, que nem sempre se revela de cara. Aos poucos, os seis estranhos percebem que combinar suas habilidades complementares (um é um prodígio da matemática, outro é um policial etc.) é sua única chance de caminhar pelo labirinto até a saída. Se é que existe uma saída. Esta pequena produção canadense é um desses lances muitos raros: uma ficção absolutamente original, imprevisível e memorável. É de roer as unhas também.
O Presente
(The Gift, 2015)
Tendo se mudado de Chicago para uma belíssima casa em Los Angeles, Simon e sua mulher, Robyn, trombam com Gordo, que pergunta: por acaso Simon não se lembra dele da escola? A cena que dá a partida nesta estreia na direção do ator australiano Joel Edgerton (que também escreveu o roteiro e interpreta Gordo) é de um mal-estar evidente. Mas por quê? O que está fora do lugar aí, e por que Simon (Jason Bateman) fica tão irritado quando, no dia seguinte, o casal encontra à porta uma garrafa de vinho com um cartão de boas-vindas? Talvez porque Gordo tenha se afeiçoado demais a Robyn (Rebecca Hall). Talvez porque ele seja um tipo esquisitão, que parece estar meio falido e se convida o tempo todo. Talvez haja, sim, bons motivos para que Simon se lembre dele da escola. Adoro esses suspenses em que um menosprezo ou uma maldade disparam situações incontroláveis: o rancor é um motivador poderoso do comportamento humano. Muito competente, Edgerton cria a sensação crescente de um jogo denso cujas regras só os dois adversários conhecem, e do qual os outros (incluindo-se o espectador) são obrigados a participar sem saber que peça representam.
Rastro de Maldade
(Bone Tomahawk, 2015)
Na cidadezinha de Bright Hope (“esperança luminosa”), o xerife (Kurt Russell) garante a paz com um método simples: se chega um tipo suspeito, ele já atira na perna dele e o mete na cadeia até que alguém venha julgá-lo e sentenciá-lo à forca. Mas um fora-da-lei vindo do deserto (onde sobreviveu a algo terrível) traz no seu rastro algo da barbaridade que despertou: uma tribo canibal (!!!). Bone Tomahawk, ou “machadinha de osso”, é um exemplar interessantíssimo dos “faroestes estranhos”, uma nova onda de westerns revisionistas e ultrapop, tão cheios de humor enviesado quanto de violência supergráfica e de ruminações filosóficas. O final se passa em um cenário horripilante, com atos de uma brutalidade de arrepiar os cabelos e efeitos sonoros nauseantes (sugiro deixar os lanchinhos para depois do filme – se sobrar algum apetite). O diretor S. Craig Zahler revela tudo aos poucos, para ir assim compondo o grande pesadelo da vida na fronteira: a sensação de que sempre haverá muito mais ameaças, lá fora, do que é possível domar ou sequer compreender.
O Convite
(The Invitation, 2015)
Will (Logan Marshall-Green, que parece gêmeo de Tom Hardy) e sua namorada costuram as colinas de Los Angeles a caminho da casa de David e Eden, e antes mesmo de eles chegarem sente-se que o clima está pesado: o convite para uma reunião foi inesperado, porque os amigos – oito pessoas, no total – há tempos não se veem e porque está na cara que eles têm uma história que não é das mais fáceis. À medida que o vinho rola e os convidados vão baixando a guarda (ou tirando a máscara), a animosidade e as questões mal-resolvidas ficam mais e mais palpáveis, e a tensão sobe. Mas o mistério sobre o porquê daquela reunião, naquela noite e naquele lugar, persiste – até se revelar, num dos finais mais imprevistos e surpreendentes dos últimos tempos. Um ótimo ensaio da diretora Karyn Kusama para o recente O Peso do Passado, com Nicole Kidman.
Tumba Aberta
(Open Grave, 2013)
John (Sharlto Copley) acorda de noite, no meio da tempestade, numa vala comum repleta de corpos ensanguentados. Não sabe quem é, como foi parar lá nem se tem algo a ver com o que ocorreu. Apavorado e enlameado (e carregando uma pistola, que pode ou não ser sua), foge até uma mansão no campo, onde encontra cinco outros personagens na mesma situação: eles sabem os próprios nomes porque ainda estão de posse de seus documentos, assim como de chaves para carros que, presumivelmente, estão largados em algum lugar próximo. Mas não têm nenhuma outra memória. Portanto, não sabem se podem confiar uns nos outros ou sequer em si mesmos, o que vai tornar crítica a situação quando um punhado de gente – se é que se pode descrever assim – começa a bater à porta. Ainda que o diretor espanhol Gonzalo López-Gallego deixe um tanto a desejar na amarração do final, o caminho até lá vale a pena.
O Hóspede
(The Guest, 2014)
David bate à porta da família Peterson dizendo ser amigo de batalhão do filho mais velho, morto em combate. A mãe o recebe de braços abertos. O pai não gosta muito da ideia de ter um desconhecido em casa, mas acaba se rendendo ao jeitão respeitoso dele. O filho mais novo adora o hóspede, especialmente depois que este dá um jeito nos bullies da escola. A filha do meio, porém, não se convence: há algo em David que é muito estranho. Claro que há: o diretor Adam Wingard e o roteirista Simon Barrett (a mesma dupla do muito inferior Você É o Próximo, de 2011) nem tentam disfarçar que David é um psicopata. Ao contrário: a graça está na maneira como eles escancaram a ideia até ir encostando na paródia. Se Drive e o Teorema de Pasolini tivessem um filho com o Exterminador do Futuro, teria esta cara. Aliás, vendo Downtown Abbey não se imaginaria, mas Dan Stevens, que fez o fofésimo Matthew Crawley na novela da BBC, está ótimo como super-soldado psicopata, e daria um James Bond melhor ainda.
Wheelman: Motorista de Fuga
(Wheelman, 2017)
Motorista de carro de fuga comparece para um trabalho com dois sujeitos que nunca viu antes. Recebe um telefonema estranho enquanto espera eles assaltarem o banco. E passa a hora e meia seguinte suando frio, rodando por ruas, viadutos e estacionamentos na tentativa de reverter o desastre em que a coisa toda descarrilhou. O ator e produtor Frank Grillo passa quase todo o tempo sozinho em cena, primeiro num BMW e depois num Porsche, mas cada mudança de marcha tem sua razão de ser neste exercício enxuto, direto e tenso.
Um Dia Perfeito
(A Perfect Day, 2015)
Está todo mundo relaxado, dando risada. Tanta coisa já aconteceu desde a manhã – o cadáver do sujeito obeso no poço do vilarejo, a reunião surreal da ONU, a vaca morta no meio da estrada, a discussão bizarra no armazém cheio de homens mal-encarados (– “Tem corda?” – “Tem, mas não tem”). E, agora, em vez de cair duro com o tranquilizante, o cachorro bravo está, se possível, ainda mais bravo. Quem é que vai ter coragem de chegar perto dele para pegar a corda que o está prendendo? Enquanto os colegas descomprimem um pouco, Mabru (Benicio Del Toro) e Sophie (Mélanie Thierry) entram na casa em ruínas à procura da bola que o menino Nikola tanto quer. E, passo a passo, o clima de hilariedade vai dando lugar a uma atmosfera mais pensativa – e, dela, segue para o chocante, para em seguida fazer mais uma curva fechada e retornar à comédia. O filme dirigido pelo espanhol Fernando Léon de Aranoa é uma pequena joia: acompanhando 24 horas na rotina (que de rotineira não tem nada) de um grupo de voluntários no finalzinho da Guerra da Bósnia, em 1995, Um Dia Perfeito se equilibra não só com agilidade, mas também com inspiração verdadeira, entre a comédia e o drama, e entre a crônica e o surreal.