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Felipe Moura Brasil Por Blog Análises irreverentes dos fatos essenciais de política e cultura no Brasil e no resto do mundo, com base na regra de Lima Barreto: "Troça e simplesmente troça, para que tudo caia pelo ridículo".
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Os avessos de Barroso: Ruy Barbosa e Antonin Scalia

“A pior ditadura é a do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”

Por Felipe Moura Brasil Atualizado em 30 jul 2020, 23h31 - Publicado em 16 fev 2016, 15h26
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  • 1) O avesso 1ruy_barbosa_291x318

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    Duas frases fundamentais de Ruy Barbosa (1849-1923) constam em notas de rodapé incluídas ao longo do documento da Câmara dos Deputados que questiona a decisão tomada em dezembro pelo Supremo Tribunal Federal sobre o rito de impeachment:

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    “A pior ditadura é a do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer.”

    “Não falsifica a História somente quem inverte a verdade, senão também quem a omite.”

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    Com a primeira, Ruy Barbosa prenunciava o golpe do STF contra o Poder Legislativo para salvar o mandato de Dilma Rousseff; com a segunda, as omissões do voto oral e escrito do ministro Luís Roberto “Minha Posição” Barroso, conforme explicadas em vídeo deste blog. (Assista AQUI.)

    Os advogados da Câmara não poderiam ter escolhido melhor as citações para o pedido de acolhimento dos embargos de declaração, com efeitos modificativos.

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    Autor da Constituição de 1891, da Primeira República, Barbosa foi quem dividiu o poder do Estado brasileiro em três – Executivo, Legislativo e Judiciário -, dificultando sua concentração e minimizando os riscos de uma ditadura. Maior entusiasta nacional da Constituição americana, o baiano de Salvador a usou como modelo da nossa, escalonando ainda o poder em três níveis – federal, estadual e municipal.

    Ele também foi um defensor intransigente da língua portuguesa e o segundo presidente da Academia Brasileira de Letras, onde sucedeu Machado de Assis.

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    A ideia de que um ministro do STF esvazie de sentido a palavra “eleita” de uma lei específica do impeachment (1079/1950) e a expressão “e nas demais eleições” de um artigo (188, inciso III) do regimento da Câmara ao qual a lei remete é o avesso da obra constitucional e intelectual de Ruy Barbosa.

    Pior ainda se o ministro o faz para anular uma sessão da chamada Casa do Povo com base num artigo genérico (58) da Constituição sobre a formação de comissões, que remete a outro artigo genérico do regimento (33), que simplesmente não inclui a comissão especial do impeachment em hipótese alguma.

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    A vitória do voto de Barroso foi a consolidação dos maiores temores do “founding father” brasileiro: a ditadura do Poder Judiciário por meio da invalidação da língua portuguesa.

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    2) O avesso 2

    Antonin_Scalia_2010

    Nos Estados Unidos, os republicanos tentam agora impedir o presidente Barack Obama de abrasileirar a Suprema Corte do país nomeando mais um esquerdista para a vaga do ministro conservador Antonin Scalia, encontrado morto na cama de um resort no Texas no último sábado (13), aos 79 anos.

    Scalia foi o avesso americano de Barroso.

    Pregava a interpretação da lei com base na literalidade do texto, julgando que as palavras têm sentido e não cabe aos magistrados subverter o significado delas para impor suas ideias ou ideologia.

    Atropelar o Poder Legislativo? Nem pensar. Foi voto vencido na decisão da Corte sobre o casamento gay, não por ser ideologicamente contra a medida, mas por respeitar a separação dos poderes e atribuir essas questões aos legisladores, os representantes eleitos do povo.

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    A expressão “poor reasoning” (“fundamentação pobre”) com que se referiu certa vez a uma decisão da ministra Ruth Bader Ginsburg, nomeada por Bill Clinton, é uma amostra – perfeitamente aplicável ao voto de Barroso – de como Scalia cobrava consistência da argumentação dos colegas.

    Também sabia, no entanto, admitir seus erros. Quando a mesma Ginsburg o confrontou por ter votado numa posição contrária à que tomara noutro caso, defendeu-se citando o juiz Robert Jackson: “Não vejo por que eu deva ficar conscientemente errado hoje porque, inconscientemente, estive errado ontem”.

    Esta é a frase que Barroso deveria citar ao rever os pontos da decisão do STF sobre o rito do impeachment – mas até nos EUA a incapacidade dos ministros brasileiros de rever posições já é reconhecida.

    O mais proeminente constitucionalista americano da atualidade, Mark Tushnet, que tem analisado a transparência de cortes constitucionais de diversos países, observou, segundo o Jota, “que o desenho institucional do Tribunal brasileiro não gera, necessariamente, práticas deliberativas.

    No caso do STF, os Ministros, ao confrontarem-se com posicionamento discordante de seus pares, tendem a enfatizar ainda mais a sua opinião, ao invés de suspendê-la, apreciar as críticas e, eventualmente, mudar de orientação. Por isso, mudanças de voto são tão raras no STF.

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    Tushnet atribui a diferença de comportamento institucional entre os Ministros brasileiros e os Justices americanos à falta de internalização pessoal por parte dos primeiros do conjunto de normas que incentivam a deliberação”.

    Tudo isso, na verdade, são também sintomas do aparelhamento político (partidário e ideológico) da Corte, mas ok.

    “Não adianta o modelo decisório brasileiro ser público e favorecer a deliberação, se os Ministros não estiverem imbuídos do objetivo de construir, coletiva e dialogicamente, a decisão. É necessário, portanto, que se renuncie à intransigência, que pode satisfazer as vaidades intelectual e midiática, mas que pode prejudicar a consistência das decisões.”

    Chamei a atenção para o mesmo fenômeno durante a cobertura em tempo real daquela sessão do STF:

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    Que falta faz gente como Scalia no Brasil.

    3) A expectativa

    Barroso lendo

    O documento dos embargos, no entanto, é tão poderoso que, segundo o Valor, “há uma expectativa real de que o STF possa rever alguns itens da decisão”, “especialmente no que dizem respeito a prerrogativas da Câmara dos Deputados, como a eleição secreta para a escolha da comissão especial”.

    Escreve o repórter Raymundo Costa:

    “Um problema do impeachment é a linha sucessória da presidente Dilma. Pela ordem, o vice Michel Temer, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o presidente do Senado, Renan Calheiros. Os dois últimos respondem a quase uma dezena de processos, no âmbito da Lava-Jato. O vice Temer não entrou na roda, mas é político, condição suficiente para colocá-lo na linha de tiro.

    O processo de impugnação da chapa Dilma-Temer é outro elemento de pressão, sobretudo depois que o juiz Moro informou ao TSE que há provas de que a propina financiou campanhas de 2014. Mas o PT já está pronto para assestar as baterias contra as outras campanhas, que tiveram a mesma fonte de financiamento.”

    Os desdobramentos desses fatos, claro, também podem influenciar a nova decisão do STF, onde a suprema política prevalece à literalidade da lei.

    Como diria Ruy Barbosa:

    “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”

    ** Veja também aqui no blog:
    O golpe do STF explicado em vídeo
    – Câmara usa argumentos deste blog para reduzir a pó voto de Barroso sobre rito do impeachment
    Veja as malandragens de Barroso passo a passo
    A imprensa cai no papo de Barroso

    Felipe Moura Brasil ⎯ https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil

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