Sim, vale a pena abrir a porta para o terror ‘Toc Toc Toc – Ecos do Além’
Com Lizzy Caplan e Antony Starr, filme traz os medos infantis para a realidade com extravagância e dramaticidade acentuada

Crianças têm medo do escuro, do bicho-papão, de olhar debaixo da cama e de rangidos à noite. Os pequenos mais obscuros, porém, carregam um pavor existencial: de que as paredes que as circundam e os pais que as aconchegam na hora de dormir resguardam sua própria agenda secreta contra o seu bem-estar. Foi assim que Coraline, do livro de Neil Gaiman e da animação de massinha, acabou nas garras de uma terrível mulher-aranha, e também como Carrie White ateou fogo em seu ginásio antes de matar a mãe fanática e se martirizar. Em 2023, é a vez do pequeno Peter (Woody Norman) questionar o carinho de seus progenitores em Toc Toc Toc: Ecos do Além.
Chegado de fininho aos cinemas na última quinta-feira, 31 de agosto, o longa de 88 minutos escapou da cacofonia reservada a grandes lançamentos, acumulando mais reações bem-humoradas a seu título nacional do que conversas sobre sua temática ou promessas, que o cartaz genérico e subtítulo vago não ajudam a elucidar — felizmente. Dinâmico e histriônico, o filme é uma grata surpresa mascarada de terror qualquer, alavancado graças à atuação maníaca de Lizzy Caplan como Carol, a mãe do protagonista, e uma direção certeira e expressiva do francês Samuel Bodin, repleta de quadros melodramáticos e truques de luz e sombra nostálgicos do cinema noir dos anos 1940.
O enredo acompanha o introvertido Peter, uma criança comum que equilibra os afazeres da escola com a liderança rígida de seus pais superprotetores, até começar a ouvir batidas na parede de seu quarto — que, eventualmente, revelam uma voz juvenil. Ao passo que o mistério se desenrola, o roteiro perpassa as peculiaridades da cultura suburbana americana, mas brilha mais forte quando se entrega à ludicidade dos medos infantis: exagerados, nada sutis e sempre aterrorizantes.
O que separa Toc Toc Toc da leva constante de crianças assustadas em filmes de terror, então, é a dispensa de alegorias, hipóteses e sacadas psicológicas. Tudo que Peter teme e imagina é tão maciço e visível quanto sua casa cinzenta, seja o monstro cabeludo que o aterroriza ou as intenções maléficas de todos ao seu redor. Dadas as circunstâncias, Lizzy Caplan encarna uma matriarca histérica que assustaria Faye Dunaway nos bastidores de Mamãezinha Querida — sempre trêmula, esbugalhada e excessiva o bastante para se equilibrar ao estoicismo enervante de seu sinistro marido, Mark (Antony Starr, de The Boys).
Sem manipulação emocional desmedida, mensagens forçosas ou firulas, o filme parte para sua espiral de ação, pecando apenas em certos desfechos apressados e em um design de monstro pouco distintivo. Mesmo assim, vale a pena abrir a porta para Toc Toc Toc, uma boa e velha história de Halloween cheia de subversões da família tradicional e abóboras — do jeitinho que góticos mirins adoram contar em festas do pijama.