Paul Matthews (Nicolas Cage) é o clássico zé-ninguém. Professor universitário de uma disciplina tediosa, ele só desperta sono e desdém nos alunos, que mal lembram seu nome. Certo dia, porém, algo insólito sacode sua vida: Paul é informado por pessoas próximas que ele vem aparecendo, do nada, nos sonhos delas. O relato mais eloquente é o de uma namoradinha da adolescência que ele não vê há anos e o aborda na saída do cinema para narrar suas visões noturnas do ex. Envaidecido com a situação, ele topa um encontro com a amiga — mas logo descobre, constrangidíssimo, que ela busca apenas autorização para escrever um artigo sobre os tais sonhos num jornal on-line. Após a publicação, Matthews vê sua história viralizar nas redes sociais. Redes de TV o convidam para entrevistas e grandes marcas o cortejam para garoto-propaganda. De uma hora para outra, sua vida vira de cabeça para baixo e ele se torna uma celebridade global.
A premissa de O Homem dos Sonhos, que estreia nos cinemas na quinta-feira 28, é curiosa: o longa bebe dos postulados da psicanálise para tecer uma sátira da indústria da fama na era digital. No enredo, especialistas levantam hipóteses sobre o fenômeno que atinge o apagado Paul e os outros milhões de seres humanos que o veem das mais diversas formas em seus sonhos (ainda que sempre numa posição de figurante “neutro”). Sobram explicações que envolvem as teorias de Sigmund Freud (1856-1939), mas nenhuma delas soa minimamente plausível. “Devo ser especial”, opina o personagem num momento de deslumbre com o sucesso.
Embora contenha elementos cômicos, O Homem dos Sonhos passa longe do riso fácil. Aos poucos, o filme do diretor norueguês Kristoffer Borgli e do produtor americano Ari Aster, do perturbador Midsommar, desvela a sina sombria por trás do personagem. De repente, os sonhos se transformam em pesadelos e ninguém quer mais estar perto dele. Para além do inexplicável fenômeno onírico, o tema de fundo é a gangorra cruel da internet: assim como ocorre com tantos influencers, o homem sem qualidades invade a mente das pessoas de forma irresistível, mas acaba julgado e cancelado no tribunal das redes.
Careca, barbudo e barrigudo, Nicolas Cage vai bem no papel do tiozão canastrão alheio ao mundo moderno mas que se torna vítima dele. Com a estampa de loser (ou perdedor), ele dá mais um passo no resgate de sua imagem de astro caído, processo iniciado em produções como Pig (2021) e O Peso do Talento (2022). Contido e discreto em cena, Cage gera desconforto genuíno — o que nem Freud explica.
Publicado em VEJA de 22 de março de 2024, edição nº 2885