Nos idos de fevereiro de 2016, a atriz e empreendedora Gwyneth Paltrow não estava em um set de filmagens, nem nos laboratórios de sua marca Goop, mais famosa por vender velas aromáticas vaginais e apetrechos pseudo-científicos. Longe da Califórnia, ela se encontrava em um resort de esqui no estado de Utah, sem saber que a futura colisão entre ela e um optometrista aposentado resultaria em uma opulenta demonstração de privilégio fora da ficção satírica de uma série da HBO — mais especificamente The White Lotus.
Nesse dia, ambos se chocaram em um acidente de esqui; agora, um tribunal no mesmo estado do ocorrido recebe ambos para uma disputa entre narrativas: o médico Terry Sanderson, de 76 anos, pede por indenização em 300.000 dólares, alegando que a atriz o teria atropelado pelas costas e causado sequelas irreparáveis — dentre elas, impossibilitado sua participação em degustações de vinho. Gwyneth o processou de volta e pede o valor simbólico de 1 dólar: a atriz garante que a vítima do atropelamento foi ela mesma. Nas redes sociais, no entanto, o ponto do caso se tornou outro: com a atriz na cadeira de testemunho, seu estilo de vida, escolhas de moda e percepção de realidade — todos regados a muito dinheiro — parecem derivar de outro plano de existência e causam fascínio aos internautas que não resistem criticá-la, caçoá-la ou até mesmo admirá-la.
A comédia de sua carreira
O julgamento, que começou na terça-feira passada, dia 21 de março, recebeu a atriz para depoimento pela primeira vez na sexta-feira, 24, e desde então tem populado as redes sociais com recortes em vídeo e citações no mínimo surpreendentes. Questionada acerca das consequências que teria sofrido enquanto vítima, a atriz respondeu de maneira sucinta e suave: “Bom, perdemos meio dia de esqui”. Segundo o depoimento de sua filha, Apple, “isso é algo que ela nunca faz, ela sempre continua esquiando”.
Em outro momento, Paltrow teve que esclarecer sua relação com a cantora Taylor Swift: “Não diria que somos boas amigas. Somos amigáveis, já levei meus filhos para um show dela, mas não conversamos muito”. A advogada Kristin VanOrman, aparentemente contagiada pelo espírito de absurdo, prosseguiu com perguntas sobre presentes de Natal “pessoais e íntimos” que a atriz teria entregue à estrela pop, ao que Paltrow respondeu com expressão incrédula antes do protesto de seu advogado ser acatado pelo Juiz. A conexão tem explicação, ou quase isso. Swift notoriamente cobrou apenas 1 dólar em um processo de assédio sexual de 2015 contra o radialista David Mueller. O ato simbólico almejava direcionar atenção à causa das vítimas de assédio, espírito que Paltrow é incapaz de replicar, a não ser que acidentes em resorts de esqui se tornem epidêmicos.
A falta de seriedade se tornou marca registrada do imbróglio. Quando VanOrman exaltou a roupa de esqui da atriz, Gwyneth retrucou com elogios aos seus sapatos de salto-alto, que a jurista alegou usar para ficar mais alta após afirmar ter inveja da estatura da estrela. Na lista de evidências, são encontradas falas ditas em talk shows (“estou sempre trombando nas coisas”, a atriz disse a Jimmy Kimmel), capturas de tela indicando massagens tidas no resort e recibos da conta de sua estadia.
Figurinos dignos de uma estrela
Quem esperava que a atriz apostasse na limpeza de imagem para convencer o júri de sua inocência se enganou. A cada dia de julgamento, Gwyneth utiliza novas peças de luxo, de algumas das marcas mais caras do mundo da moda. O perfil de Twitter @championistic tem compilado os respectivos looks de Paltrow em uma série de postagens que já acumula mais de 20.000 curtidas, na qual lista onde encontrá-los. A etiqueta mais utilizada até então é The Row, linha de roupas criada pelas gêmeas Olsen, de Três é Demais. No segundo lugar, ficam Prada e Celine.
Day 4
Full Prada pic.twitter.com/UJzB6zTasd
— 𝐋𝐞𝐞 (@championistic) March 28, 2023
Histórico de polêmicas
Paltrow se tornou simbolo do estilo de vida dos ricos e famosos da Califórnia quando começou sua newsletter de conselhos, a Goop, em 2008. Não demorou e logo o projeto se transformou em empresa, comercializando itens diferenciados como ovos de cristais destinados à inserção na vagina, a contragosto de indicações médicas. Em 2021, a empresa foi processada após um consumidor alegar que a vela vendida como o aroma das partes íntimas da estrela teria “explodido” e sido consumida por altas chamas. Neste mês de março, ela também ocupou manchetes ao contar que sua dieta detox é composta de jejum intermitente e muita sopa de ossos, seu prato preferido para o almoço. Para muitos, os conselhos de Gwyneth são perigosos e promovem distúrbios alimentares. Segundo o jornal The Guardian, é esperado que a defesa da ré termine sua argumentação nesta quinta-feira, dia 30 de março. Sua equipe tem trazido especialistas e animações em alta resolução para persuadir o júri, que se decide até esta sexta.