David Cronenberg estreou no fim dos anos 1960, quando começou a produzir narrativas em sua terra natal, o Canadá. Seu primeiro longa, Calafrios, de 1975, já servia como alerta do que viria por aí: um comprometimento com o bizarro, o sensual, à quebra de expectativas e à distorção de tripas, combo que se tornaria a assinatura de uma carreira longeva ainda em ativa. Aos 80 anos, ele expande seu legado com novos projetos, como Crimes do Futuro e The Shrouds, atualmente em gravações, e já testemunha reinvenções de seu rastro: a minissérie Gêmeas: Mórbida Semelhança, do Amazon Prime Video, é o primeiro remake de uma de suas obras.
Seu caminho até aqui foi adornado pelas contribuições de memoráveis astros do cinema, como Debbie Harry, Jeff Goldblum e James Spader, além de prêmios como o troféu especial do júri do Festival de Cannes, oferecido ao cineasta pela “originalidade, ousadia e audácia” que teria demonstrado em Crash: Estranhos Prazeres. Seus mais de 20 filmes, dos mais absurdos aos mais mundanos, esmiúçam diversas possibilidades de existência para além da óbvia, seja através de um olhar novo sobre a anatomia humana ou um estranho fetiche por carros. Caso ainda não tenha entrado nesse universo de prazeres bizarros, aqui estão alguns títulos do cineasta disponíveis no streaming:
A Mosca
Onde assistir: Star+
Com Jeff Goldbum e Geena Davis — e seus gloriosos cortes de cabelo à moda de 1986 —, o filme de Cronenberg revisita a história do longa homônimo de 1958. Em sua versão, o jovem Seth Brundle (Goldblum) é um cientista ambicioso que desenvolve uma revolucionária tecnologia de teleportação. Quando entra no dispositivo para testá-lo, porém, uma mosca como qualquer outra o acompanha — e assim ambos os corpos se fundem, dando origem a uma criatura que aterroriza quem a vê, esteja o observador dentro ou fora da tela.
Crash: Estranhos Prazeres
Onde assistir: Globoplay (plano Telecine)
O casal James e Catherine Ballard (James Spader e Deborah Kara Unger) nutre uma relação aberta e sexualmente ativa, saudável e consensual, longe da configuração conservadora de um casamento, mas tampouco chocante. Tudo muda quando um acidente de carro leva James a descobrir um cenário underground de fetichistas dos conflitos automobilísticos. Homens e mulheres cicatrizados e alterados por eventos como esse, que agora buscam reproduzi-los a fim de reforçar sua autonomia e energia sexual. O filme é talvez a melhor demonstração do erotismo que Cronenberg ficou famoso por retratar: perigoso, inesperado e profundamente físico, mas libertador a seus personagens.
Marcas da Violência
Onde assistir: HBO Max
Após décadas de monstros, próteses, sangue e surrealismo, os anos 2000 e 2010 serviram como território inédito para o diretor, que investiu em narrativas enraizadas em mundos mais próximos ao real, como essa e Um Método Perigoso, Cosmópolis e Mapas para as Estrelas. Em Marcas da Violência, Viggo Mortensen é um pai de família que comete um assassinato em suposta autodefesa, o que o leva ao status de herói para alguns, mas traz seu passado violento de volta à tona. O longa foi indicado a duas estatuetas no Oscar, uma raridade na carreira de Cronenberg, que nunca foi diretamente reconhecido pela Academia.
Crimes do Futuro
Onde assistir: Mubi
O mais recente filme do diretor é um retorno às suas raízes na ficção científica. Baseado em um roteiro inicialmente escrito nos anos 1990, o longa explora uma realidade em que alterações extremas da anatomia humana são cotidianas e, até, artísticas e eróticas, como em Crash. Neste futuro, o governo tolera alterações superficiais, mas reprime uma nova onda de humanos com sistemas digestivos evoluídos, capazes de digerir plástico. A história demonstra como o cineasta se mantêm tão atual quanto era há 40 anos, repleta de comentários sagazes sobre o estado do meio-ambiente e a autonomia que humanos têm sobre seus corpos. O filme é mais uma parceria com Viggo Mortensen, mas é também estrelado por Kristen Stewart e Léa Seydoux.