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É Tudo História

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O que é fato e ficção em filmes e séries baseados em casos reais
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Um bocado de verdade na história pouco conhecida do McDonald’s

Filme 'Fome de Poder' acompanha a trajetória de Roy Kroc, o dono da gigante dos fast-foods McDonald's

Por Mariane Morisawa, de Los Angeles
Atualizado em 29 mar 2017, 19h03 - Publicado em 29 mar 2017, 18h32
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  • Antes de ser a companhia bilionária espalhada pelo planeta inteiro, o McDonald’s foi uma lanchonete familiar, tocada por dois irmãos, Dick e Mac McDonald, no sul da Califórnia. Eles foram revolucionários ao transformar o modelo vigente na década de 1950, dos drive-ins, em que se comia no carro, e chamaram a atenção de um então frustrado vendedor de liquidificadores industriais, Ray Kroc, que pegou o sistema inventado pelos irmãos e o tornou uma franquia mundial. A história, pouco conhecida, está no filme Fome de Poder, de John Lee Hancock, com Michael Keaton no papel de Kroc, Nick Offerman como Dick e John Carroll Lynch como Mac. O longa-metragem, em cartaz no Brasil, mostra como eventualmente Kroc tirou a ideia dos McDonald e levou todo o crédito por ter criado a empresa. “Um de nossos produtores, Don Handfield, ficou sabendo por causa de uma música de Mark Knopfler, líder da banda Dire Straits, chamada ‘Boom Like That’”, contou ao blog É Tudo História o roteirista Robert Siegel. “Outro fator para essa demora em contar o que aconteceu é que por muito tempo esse tipo de filme não era feito, talvez por medo de processos. Tudo mudou com Rede Social, sobre a criação do Facebook”, explicou.

    Siegel leu material de arquivo, mas se baseou principalmente na autobiografia de Kroc, Grinding it Out, e na biografia não-autorizada Behind the Arches, de John F. Love. “Ambas foram muito úteis e são completamente opostas. Behind the Arches retrata Ray como um cara que pisava em quem atravessasse seu caminho. E na autobiografia, Ray Kroc só conta vantagem, falando de todas as coisas incríveis que ele tinha feito. Mesmo sendo menos verdadeira, de algumas formas foi mais útil porque dá para ver como o cara pensa. É meio como Donald Trump em A Arte da Negociação.” Siegel teve de fazer algumas adaptações para colocar 20 anos em duas horas, por exemplo, cortando a segunda mulher de Kroc. O filme também não fala dos filhos, até porque na autobiografia eles não são citados. “Imagine Barack Obama escrevendo sua autobiografia sem mencionar Michelle, Sasha e Malia. Seria maluco! Esse é o tipo de cara que Kroc era.” Em geral, ele tentou ser o mais fiel à história possível. “Fico chateado quando fico sabendo que o filme baseado em história real tinha um monte de coisa inventada”, afirmou.

    Viagem através do país

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    A carreira de Ray Kroc (Michael Keaton) como vendedor de liquidificadores para lanchonetes não está indo muito bem. De carro, ele vai de cidade em cidade tentando comercializar seus aparelhos, quase sempre sem sucesso. Alimenta-se em drive-ins, onde as garçonetes sobre patins precisam vir ao carro para atender os pedidos e estão quase sempre distraídas, tentando se equilibrar enquanto fogem das cantadas dos rapazes. Um dia, Kroc se espanta ao saber que recebeu um pedido de seis aparelhos para uma única lanchonete na pequena San Bernardino, na Califórnia. Desconfiado, resolve ir até lá pessoalmente. “Realmente, ele decidiu ir na hora, assim que ficou sabendo do pedido pelo telefone”, disse Siegel. A viagem era longa, pois ele estava em Illinois, a cerca de 3 mil quilômetros de distância de San Bernardino. No filme, ele dirige até lá. “Não tenho certeza se ele foi de carro, mas é provável porque as passagens aéreas eram caríssimas na época”, disse Siegel.

    Faça o seu pedido

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    Ao chegar ao McDonald’s em San Bernardino, Ray Kroc nota que se trata de um lugar um pouco maior que um quiosque, sem garçonetes. As pessoas entram na fila e fazem seu pedido diretamente, uma novidade na época. No filme, Kroc faz seu pedido e, 15 segundos depois, está com seu lanche na mão, num saco de papel. E faz um monte de perguntas ao atendente: onde estão os pratos, os talheres, as mesas? A cena, claro, é inventada – não há como saber se o diálogo travado foi aquele mesmo, mas o roteirista acredita que foi bem próximo. “Ele fica completamente confuso. Isso que era a novidade do McDonald’s, as pessoas nem sabiam como comer!”, disse Siegel.

    Visita guiada

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    Quando se senta num banco para comer, Mac (John Carroll Lynch) pergunta se está tudo bem e se apresenta. Kroc se identifica como vendedor dos mixers e é convidado para uma visita guiada pela cozinha. Lá, conhece o sistema criado pelos irmãos McDonald para servir a comida em segundos, também uma novidade na época, graças a uma cozinha dividida em estações. “Eles mostraram tudo para Kroc, não ficaram desconfiados nem paranoicos de que alguém roubaria a ideia”, disse Siegel. “Na verdade, não se importavam se alguém copiasse.” Kroc não foi o único a ganhar uma visita guiada. Glen Bell, fundador da rede de comida mexicana Taco Bell, também se inspirou no sistema do McDonald’s para abrir sua rede.

    Quadra de tênis

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    Ray Kroc pede para os irmãos contarem sua história. E eles fazem isso, discorrendo sobre seus fracassos, como abrir um cinema logo antes da crise de 1929 ou um quiosque que precisou ser serrado ao meio para passar embaixo de um viaduto no transporte até outro lugar. Eles também explicaram como desenvolveram o sistema de divisão da cozinha com a ajuda de uma quadra de tênis. Dick desenhava com giz no chão as estações e fazia os funcionários fingirem estar trabalhando, para checar erros e melhorias. “Tudo isso é completamente verdadeiro”, disse Siegel. A mesma coisa com a abertura do McDonald’s, em que houve um ataque de mosca, e como seu conceito revolucionário quase não emplacou, porque os clientes ficaram confusos de precisar descer do carro para pedir comida.

    Arcos amarelos

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    Ray Kroc propõe, então, que os irmãos topem uma parceria para a abertura de franquias. Mas eles já tinham tentado e não havia dado certo. “Todas foram mal administradas. Os franqueados eram sujos, colocavam itens no cardápio, como frango frito. Eles sentiram que não podiam controlar a qualidade, então fecharam”, disse Siegel. Uma das unidades, no Estado do Arizona, tinha sido concebida por Dick e contava com os hoje famosos arcos amarelos da cadeia de lanchonetes, outro conceito de que Kroc se apropriou. No filme, Kroc volta para casa, mas não desiste, ao perceber que aqueles arcos poderiam ser o novo símbolo das cidades americanas, junto com as cruzes no alto das igrejas e os mastros com a bandeira americana nos tribunais. “Isso foi coisa do roteirista”, admitiu Siegel. Na verdade, da mulher do roteirista. “Estávamos conversando sobre a cena, e ela falou como os arcos eram um símbolo como as cruzes e os mastros de bandeiras, que esse podia ser a nova igreja americana. Seria tão ruim quanto Ray Kroc se apenas roubasse sua ideia, então dou o crédito a ela.”

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    Quando Ray encontrou Harry

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    Ray Kroc é informado pelo gerente do banco que ele tem muitas parcelas atrasadas da hipoteca de sua casa, feita sem conhecimento de sua mulher Ethel (Laura Dern), para obter dinheiro para começar as franquias. Mesmo que o negócio esteja indo bem, o dinheiro não é suficiente. Harry Sonneborn (B.J. Novak) ouve a conversa e propõe um negócio a Ray: que ele passe o McDonald’s da indústria da alimentação para o negócio de bens imóveis, tornando-se dono das propriedades onde as franquias serão abertas. “Tem um pouco de ficção, porque eles não se encontraram no banco, já se conheciam, pois Sonneborn trabalhava numa fábrica de sorvetes, e os mixers que Kroc vendia no passado eram basicamente usados para fazer milk shakes”, disse Siegel. Mas foi Sonneborn mesmo que teve a ideia que transformou o McDonald’s no que é hoje – e que no fim tirou a empresa das mãos dos irmãos fundadores.

    Divórcio

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    A primeira mulher de Ray Kroc era Ethel (Laura Dern), que no filme reclama muito das empreitadas do marido, que nunca dão certo. No filme, ele pede o divórcio sem nenhuma conversa preliminar, depois de passar o sal, sentado à mesa de jantar. “Não foi exatamente assim”, disse Siegel. “Mas queria mostrar como era um casamento ruim. Ele achava que sua mulher não acreditava nele, sempre estava bravo com sua falta de apoio a seus sonhos. Aqui é um caso de tentar ser verdadeiro, mesmo sem ser exatamente o que aconteceu.” Em Fome de Poder, Kroc, ainda casado, se encanta por Joan (Linda Cardellini), também casada. Na verdade, ele se casou primeiro com Jane Dobbins, de quem se divorciou em 1968, para só depois se casar com Joan, em 1969.

    Sorvete em pó

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    Joan, mulher de Rollie Smith (Patrick Wilson), um franqueado, é ambiciosa como Ray Kroc – não à toa, os dois acabam se casando mais tarde. Para diminuir os custos com energia, ela propõe que o sorvete dos milk-shakes seja substituído por uma versão em pó. Nessa época, Kroc precisava aprovar cada mudança com os irmãos McDonald, que, tradicionalistas, não topam a ideia de um milk-shake sem leite. Mas Kroc passa por cima deles e passa a usar o pó em todas as lanchonetes da rede, menos a de San Bernardino. “Isso é verdade”, disse Siegel. Mas o filme adiciona um floreio a mais, quando Kroc, cansado de se submeter à vontade dos McDonald, manda de presente um pacotinho de um novo sabor do pó para os irmãos. “Isso foi inventado para demonstrar como ele foi ficando perverso ao longo do tempo”, disse o roteirista.

    Roubo

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    Ray Kroc tanto faz que acaba comprando a parte dos irmãos McDonald por uma boa soma, prometendo, porém, honrar uma cláusula “de boca” de pagar para sempre 1% dos lucros da empresa aos dois. “É verdade de acordo com os netos de Dick McDonald, que foram consultores no filme”, disse Siegel. “Eles contaram que, de acordo com seu avô e seu tio-avô, Kroc tinha prometido. Mas ele sempre negou. É impossível provar. Eles juram que é verdade. E soa verdadeiro.” Depois, Kroc proibiu Dick e Mac de usar o nome McDonald’s em seu restaurante em San Bernardino. “Eles perderam o direito de usar seu próprio nome!”, contou o roteirista. “Então mudaram o nome para The Big M. Aí Kroc abriu um McDonald’s do outro lado da rua e faliu o Big M. Esse era o tipo de coisa que ele fazia.”

    Discurso copiado

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    No final, ao receber uma homenagem, Ray Kroc repete as mesmas frases que ouvia no disco de autoajuda do início do filme. O disco que aparece no filme, de Clarence Floyd Nelson, não é real, mas baseado num autor de autoajuda famoso nos Estados Unidos na época chamado Norman Vincent Peale. “Resolvi mudar para evitar problemas legais e também porque achei que seria mais divertido”, explicou Siegel. Também não há provas de que Kroc usava as frases em seus discursos, mas a cena foi criada para reforçar sua apropriação indébita da ideia de outras pessoas.

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