A Marinha boliviana, com quase 5000 homens, foi criada em 1963 pelo presidente Víctor Paz Estenssoro. Tem 73 embarcações de combate e consome 15% do orçamento das Forças Armadas da Bolívia.
A contradição é que, embora tenha uma Marinha, a Bolívia não tem acesso ao mar. Os barcos e seus oficiais ficam no calmo lago Titicaca, a 4800 metros de altitude, ou nos rios do país. Muitos dos seus marinheiros nunca viram o mar. De vez em quando, alguns morrem afogados por não saber nadar.
A Bolívia perdeu sua costa na Guerra do Pacífico (1879-1883). Pouco antes, o país sobretaxou empresas chilenas que exploravam salitre na região do Atacama, violando um acordo entre as duas nações. O Chile, então, mandou tropas para ocupar a área, povoada majoritariamente por chilenos.
Os bolivianos ainda hoje reclamam disso. Na Constituição boliviana de 2009 lê-se:
“O Estado boliviano declara seu direito irrenunciável e imprescritível sobre o território que dá acesso ao Oceano Pacífico e seu espaço marítimo”
Sem trabalho para fazer, os membros da Marinha capinam pasto, constroem casas, treinam cães para pegar objetos na água, marcham nas docas e jogam futebol.
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Ao criar uma Marinha quase um século depois da Guerra do Pacífico, Estenssoro sabia que ela não teria utilidade no mundo real. Sua função seria a de unir o povo no plano espiritual. Ou, em outras palavras, fazer com que as pessoas se esqueçam dos problemas cotidianos e se preocupem em condenar um inimigo externo.
Em uma entrevista para o jornal chileno La Segunda, o vice-almirante Marco Antonio Justiniano, comandante-em-chefe da Bolívia em 2004, explicou o que fazem esses marinheiros sem mar:
“Uma das tarefas que o governo pede para a força naval é o desenvolvimento e o fortalecimento da denominada consciência marítima no povo. Nós nos encarregamos de lembrar a nossos compatriotas que o mar é vital para o desenvolvimento do país e que cada um tem que fazer seu esforço nesse sentido. Para isso, anualmente os oficiais dão aulas em todos os colégios”.
Todos os anos, os bolivianos fazem uma celebração oficial para o “Dia do Mar“, em 23 de março, para se lembrar do dia em que perderam o litoral.