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Lampreia: um peixe feio, mas gostoso

Os portugueses e muitos europeus saboreiam a esquisita lampreia, um peixe pré-histórico cuja temporada de captura está começando

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 13 fev 2019, 15h00 - Publicado em 13 fev 2019, 09h11

Quem nunca viu uma lampreia e a conhece antes de ser abatida, nem sempre tem coragem de comê-la. É um peixe pré-histórico e esquisito, parecido com a enguia, que para muitos lembra uma cobra. Tem o corpo longo e flexível, sem ossos, com o esqueleto inteiro de cartilagem. Os olhos ficam de um lado e há uma barbatana do outro.

Em vez de boca, a lampreia dispõe de uma ventosa circular repleta de dentes afiados, que usa para sugar o sangue de animais marítimos, pois é vampira. Utiliza-a também para se agarrar nas pedras ou na vegetação aquática, quando precisa descansar. Depois de passar pela cozinha, porém, a repulsa inicial à lampreia desaparece, pois vira fina iguaria e alegra quem tem prazer à mesa. O sabor é forte e entusiasmante.

Há várias receitas para prepará-la, porém as mais frequentes são à cabidela, feita com seu próprio sangue, que convenhamos não é pouco: ou então à bordalesa, um guisado acompanhado de arroz. Também pode ser elaborada em escabeche, assada na brasa e servida com batatas cozidas e ovos; ou defumada, para ser consumida o ano inteiro. Chefs contemporâneos a cozinham de outras maneiras, mas essas são as preferidas.

A lampreia é peixe anádromo, ou seja, troca o mar pelos rios na época da desova; ou vive o tempo todo em água doce. Interessa-nos aqui o primeiro tipo. Encontra-se em vários lugares do mundo, especialmente nas regiões subárticas do Velho Mundo, na França, Espanha e Portugal, em cujo país é apreciadíssima, pois ali a cultuam como excelência gastronômica.

A temporada de captura começou em janeiro e irá até abril. As melhores lampreias oriundas do mar são dos meses de fevereiro e março. Neste início da temporada, os restaurantes portugueses vendem a unidade por oitenta euros, que dá para três pessoas. Trata-se de negócio importante. Mais de 500 restaurantes lusitanos oferecem receitas com lampreia. Calcula-se que entre janeiro e abril sejam servidas no país mais de cem mil unidades do peixe e que o volume de negócios ultrapasse sete milhões de euros.

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Impossível capturá-la no mar. Os portugueses aguardam que venha desovar nos rios, principalmente no Minho, Mondego, Lima, Vouga e Cávado. Antigamente, também a retiravam do Douro, mas escassearam ali pela construção de barragens que sempre entravam o percurso dos peixes. Outro obstáculo ao seu aparecimento é a poluição da água. Quando chegam ao rio em número abundante, um pescador pega na rede cerca de dez unidades por dia.

Cada fêmea deposita milhares de ovos e os enterra em “ninhos” cavados no fundo do rio. Originam larvas que medem no máximo 10 centímetros de comprimento e podem ficar sete anos nos arredores. Depois, a lampreia migra para o mar onde se desenvolve, em um processo que dura entre um ou dois anos. Adulta, alcança o tamanho de aproximadamente 120 centímetros de comprimento e atinge a maturação sexual. É capturada ao voltar ao rio para a reprodução e a seguir morrer naturalmente.

Os cientistas gostam tanto da lampreia quanto os gastrônomos. Estudam-na para entender sua antiguidade. Fósseis com mais de 360 milhões de anos mostram que mudou muito pouco. Investigam-na pela grande capacidade de regeneração de lesões, que pode ensinar o ser humano a se curar de problemas de diferentes naturezas, inclusive no sistema imunológico.

Aliás, por mais estranho que pareça, o mapeamento genético da lampreia apresenta similaridades com o nosso. Daí os cientistas acreditarem que o ancestral humano teve parentesco com ela. “Muitas famílias de genes estão presentes tanto na lampreia como no ser humano”, observa Ona Bloom, do Instituto Feinstein de Pesquisa Médica, braço de pesquisa da Northwell Health, nos Estados Unidos.

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Como iguaria, a lampreia teve apreciadores notáveis. D. João I de Portugal, por exemplo, o rei que em 1415 conquistou Ceuta, praça estratégica para a navegação no norte da África, início da expansão colonial lusitana, apreciava-a tanto que mandava enforcar quem apanhasse o peixe antes de chegar à sua mesa. “Convenhamos que a democracia nunca andou de braço dado com as lampreias”, ironizou um autor lusitano.

Entretanto, seu mais lembrado fã histórico é Henrique I, também conhecido como Henrique Beauclerc, rei da Inglaterra de 1100 até sua morte em 1135. Segundo Henrique de Huntingdon, cronista britânico da Idade Média, o soberano comeu tantas lampreias que foi catapultado deste mundo por devastadora indigestão. Sua morte repentina fez o país mergulhar em guerra civil causada pelas complicações na sucessão do trono.

Taí uma lição que os ingleses não assimilaram até hoje. Elizabeth II, atual rainha do Reino Unido, nunca escondeu sua predileção pela lampreia. Infelizmente, a iguaria desapareceu dos rios britânicos, em função do represamento das águas que dificultou a migração do peixe no período da desova. Quando o desejam saborear, os gastrônomos do Reino Unido mandam busca-lo na Península Ibérica. Não por acaso, Elizabeth II se deliciou com tortas de lampreia nas comemorações do 25º e 50º aniversários do seu reinado.

Sugestão

Quem estiver na cidade portuguesa do Porto e quiser saborear uma deliciosa lampreia, deve ir ao restaurante O Gaveto, na prática uma marisqueira. Também poderá conhecê-la ao vivo, em um aquário no salão, de onde sai diretamente para a panela. Estivemos ali na semana passada.

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Gaveto – R. Roberto Ivens 824, 4450-279 Matosinhos, junto à cidade do Porto, tel.: +351 22 937 8796.

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