Voltando à clínica em busca de anticorpos criados pela vacina
Antes deste teste, o resultado do exame sorológico que fiz no dia em que recebi a vacina, em novembro, era não reagente para anticorpos da Covid
![Laryssa Borges, voluntária em teste da vacina -](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2020/11/veja_photo.alexferro.com_.br17112020.-2297.jpg?quality=90&strip=info&w=1280&h=720&crop=1)
15 de dezembro, 7h39: Aeroportos são parque de diversões para a Covid-19. Parecem aquelas ruas de comércio popular às vésperas do Natal: lotados, com pessoas gritando, arrastando bagagens, crianças perdidas dos pais. Uma parte considerável dessas pessoas com máscaras no queixo. O terminal de Brasília está particularmente cheio na manhã desta terça-feira, quando estou prestes a embarcar para mais uma rodada de testes como voluntária em busca de uma vacina contra o novo coronavírus.
8h19: No portão de embarque, fujo de uma senhora que certamente acha que máscaras são uma medida exagerada (e sabotadora da maquiagem que ela usa). Ela tem uma versão tupiniquim de um face shield. Na verdade, um misto de apoiador de queixo e porta-saliva feito de acetato que permite que retoque o batom e finja estar protegida contra o vírus. Incrédula, vou para o outro lado do saguão. Ela vai embarcar no mesmo voo que eu.
9h39: A cidadã não só embarca, como ocupa a mesma fileira em que estou. Não mais do que 50 centímetros nos distanciam. Não há palavras que expliquem o que senti. Minha presença naquele voo poderia ser resumida como “A Arte de Fazer Inimigos”. Faço uma notificação formal no 0800 da companhia aérea pelo descaso. Reclamo de terem a deixado embarcar e contesto a utilidade de uma máscara que nem máscara é: o objeto se resume a um acetato sobreposto na boca, que deixa o nariz completamente descoberto. Envio a foto da anti-máscara para a atendente do meu protesto ter a exata noção do que estou falando. Se eu ainda não tiver criado anticorpos contra a Covid, o novo coronavírus teve sua grande chance hoje.
13h19: Chego à clínica, no Rio de Janeiro, com um frio na barriga. Sou a oitava voluntária do dia a me apresentar para a nova bateria de exames, desta vez a coleta de sangue para ver se desenvolvi anticorpos contra a Covid após ter recebido a vacina experimental (ou placebo) no dia 17 de novembro. A médica que havia me sugerido beber cerveja semanas antes para selar minha participação como auxiliar no estudo clínico me cumprimenta. Nos últimos dias, cerca de 20 voluntários já passaram por esta nova etapa.
13h41: Me mostram o resultado do exame sorológico que fiz no dia em que recebi a vacina: não reagente para anticorpos da Covid. Como ferrenha defensora do isolamento social, era mais do que esperado. Que os testes de hoje sejam diferentes. Que meu corpo tenha criado proteção contra o virus que já matou mais de 181.000 brasileiros.
13h57: Sou levada para a coleta de sangue. Um mini engradado com espaço para 40 ampolas é colocado na minha frente. Três tubinhos de sangue de 5 ml cada, identificados com tampa amarela e um QR Code no lugar do meu nome, são retirados do meu braço esquerdo. Trinta e seis espaços ficam vazios, porque um último frasquinho, de 2,5 ml, tampa vermelha, QR Code e uma sequência numérica, é preenchido para outro fim: a extração do meu RNA. Concordei que meus dados genéticos sejam utilizados no futuro em benefício da ciência. Me comprometo com os pesquisadores do estudo científico a voltar à clínica para novos testes de anticorpos em 42 dias.
14h01: Saio com um sorriso (debaixo da máscara) no rosto e volto ao aeroporto. A empresa aérea promete me dar uma resposta sobre minha reclamação em cinco dias úteis. Imagino o que o novo coronavírus não pode fazer neste espaço de tempo.
20h15: Embarco no voo de volta a Brasília. Até chegar ao meu assento, observo um a um se os passageiros estão usando máscaras apropriadamente. Ao contrário do que ocorreu na manhã, estão cumprindo as regras.