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Onde os homens não têm vez

Em estreia na ficção, jornalista monta distopia com elementos onipresentes na vida de boa parte das mulheres

Por Diogo Sponchiato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 out 2023, 11h46 - Publicado em 30 out 2023, 11h17

A rotina e o mundo de Madalena e Andrea, um casal com uma filha de 7 anos, seriam bem parecidos com os de tantas famílias por aí não fosse um detalhe. Na sociedade em que elas vivem, os homens que restaram estão confinados em acampamentos totalmente cercados, cumprindo a função de meros reprodutores da espécie.

O sexo masculino cometeu tantas barbaridades ao longo da história que, assim que as mulheres tomaram o poder, botaram esses caras em regime fechado. O resultado foi o desenvolvimento de uma nação em que as relações homoafetivas se tornaram a regra (ainda que os machos sejam necessários para a procriação, pelo menos até a ciência encontrar uma alternativa definitiva).

Mas será que uma solução dessas funcionaria? Famílias, amizades, empresas e governos formados única e exclusivamente por mulheres fariam o mundo, pobre mundo, dar certo?

Reflexões do gênero (e sobre gêneros) se multiplicam à medida que se avança em A Segunda Mãe, primeiro romance de Karin Hueck, publicado pela Todavia.

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Jornalista brasileira, hoje editora-chefe do Guia do Estudante, do Grupo Abril, Karin pinta uma distopia com tintas realistas. E mostra os absurdos tanto de uma civilização dominada e operada por homens (pensou na nossa?) como de um lugar em que essas criaturas frequentemente violentas (em todos os sentidos) são encarceradas em massa – situação que irá botar à prova as mães que protagonizam o livro.

Com a palavra, a autora.

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Muitas situações que limitam e assustam as mulheres nos dias de hoje também ocupam o universo do livro. Entre elas, qual julga a mais preocupante?

No livro, a violência perpetuada por homens é usada como justificativa para encarcerar todos os homens desse país fictício. É uma lógica perversa: ainda que seja verdade que boa parte dos crimes – assassinatos, estupros, abuso sexual, terrorismo, pedofilia… – seja cometida por pessoas do sexo masculino, obviamente prender a categoria toda não é a solução.

Isso não quer dizer que esses crimes não sejam terríveis. Acho que, dos males que afetam as mulheres no dia a dia, a violência generalizada é a pior. Homens ainda aprendem a reagir de formas agressivas. O Brasil registra quatro feminicídios por dia, mais de 800 mil estupros ao ano. São fenômenos que mostram que, de certa forma, o corpo da mulher ainda está submetido ao do homem.

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Mas queria também falar de outro fenômeno, que pune tanto mulheres quanto homens, e que é bastante exagerado no livro: as expectativas do que se espera de cada um dos gêneros. Os homens, no livro, são vistos de forma caricata, estereotipada: gostam de futebol, de churrasco, de brigar. Isso, claro, é uma brincadeira com as generalizações que se fazem com mulheres: delicadas, sensíveis, bonecas. Mas são essas expectativas que anulam a individualidade das pessoas. Acho que ter que viver dentro desses modelos prontos – tanto para homens e mulheres – é muito preocupante.

Em que medida suas vivências e sua lente de jornalista moldaram a linguagem do romance e o ângulo de abordagem?

Sem querer dar muitos spoilers, mas esse é um livro que contém algumas reviravoltas. Para que elas funcionassem e pegassem o leitor realmente de surpresa, passei um bom tempo elaborando a estrutura da obra – o que revelar em qual momento, quais palavras usar para descrever certas cenas, o uso de termos sem gênero, a escolha das personagens e ambientes.

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Isso vem bastante do meu trabalho jornalístico e como autora de não ficção: para contar uma boa história, é preciso ter todas as informações claras na cabeça antes de começar a escrever. Então, nesse sentido, o jornalismo me ajudou. De resto, acho que a graça da literatura está justamente nesse poder de ludibriar o leitor, de usar narradores não confiáveis, de esconder uma ou outra informação até a hora certa. Além da própria linguagem, que é completamente diferente da jornalística.

O final tenso do livro dá o que pensar… Sobre os homens: ruim com eles, pior sem eles?

Com toda a certeza, o mundo seria pior sem homens. Não dá para generalizar os comportamentos de um grupo social, qualquer que seja ele. O livro não é uma crítica aos homens, aos indivíduos – ele é uma alegoria para a situação das mulheres ao longo da história. De inúmeras formas, o mundo foi organizado e construído sem a participação delas.

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Até hoje ele é. Veja: apenas 17% das cadeiras na Câmara dos Deputados são ocupadas por mulheres, e corremos o risco real de ter apenas uma única mulher entre os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal. São homens que vão tomar as decisões para toda a população brasileira, inclusive a maioria feminina.

De certa forma, vivemos em um mundo sem mulheres. Nosso trabalho vale menos, sobra para nós a maior parte dos serviços domésticos e de cuidado (que são mal remunerados, e pouco valorizados), não temos plenos direitos reprodutivos. Ninguém em sã consciência poderia defender um mundo sem homens – assim como ninguém em sã consciência pode dizer que é justo o que existe hoje. Essa é a graça da ficção e das distopias, em específico: inverter os símbolos para mostrar o absurdo que é a realidade em que vivemos.

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