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“Cada vez que um leitor abre as páginas, meu filho volta a viver”

A escritora colombiana Piedad Bonnett transforma o suicídio do filho em um relato pungente sobre doença mental, finitude e amor materno

Por Diogo Sponchiato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 11 nov 2024, 19h45 - Publicado em 11 nov 2024, 16h40
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  • Talvez o que seja inominável de tão doloroso não possa ser traduzido em uma única palavra, mas é bem capaz que consigamos nos aproximar da dor e das vidas tomadas por ela através de um testemunho corajoso, amoroso e visceral. Como o de uma mãe que perdeu o filho.

    Em O que não tem nome, a escritora colombiana Piedad Bonnett retrata o tormentoso percurso de seu Daniel, um estudante de arte de pouco mais de 20 anos com diagnóstico de esquizofrenia, até o suicídio longe de sua terra natal. É um livro duro, como dura é a missão de uma mulher que viaja de avião para recolher os pertences de um filho que já não está mais entre nós. Mas também pungente e emocionante, transbordando a poesia que apenas uma mãe pode conceber e dedicar ao fruto do seu ventre.

    Pouco mais de dez anos depois da publicação na Colômbia, a obra está nas livrarias brasileiras pelas mãos da Editora DBA. E me parece uma leitura necessária (para não dizer obrigatória) aos que querem sentir e entender, sob o ponto de vista da família, os desafios de acompanhar e acolher o sofrimento de um ente querido perseguido por um transtorno mental – para quem o suicídio pode soar como a mais urgente e terrível libertação.

    “Acredito que a minha escrita tenha dado uma segunda vida a Daniel, que o tenha salvado do esquecimento em que caímos quando morremos”, reflete Piedad Bonnett. Eis uma mãe-escritora parindo novamente o filho e o alimentando na mente de cada leitor. Com as dores e as belezas do parto e da criação.

    Com a palavra, a autora.

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    Desde que publicou O que não tem nome, acredita que as pessoas com transtornos mentais passaram a ser realmente mais bem acolhidas e respeitadas em nossa sociedade?

    Gostaria que assim fosse, mas não vejo isso. Faltam muita informação e consciência em nossas sociedades sobre o que é a doença mental e, sobretudo, quem é o doente mental. No entanto, vejo reações importantes nos dez anos de publicação do livro. As diversas edições (aproximadamente, 35) me mostram que há uma imensa curiosidade sobre o tema, sobre aquilo tratado pela literatura testemunhal, que permite se aproximar de um assunto por meio das emoções e da experiência concreta.

    Na Colômbia, o livro se converteu numa leitura formal para jovens dos últimos anos do colégio e também um texto obrigatório nos cursos de psicologia e psiquiatria. Isso me permite acreditar que a conversa sobre a doença mental, o suicídio e o luto vem se ampliando, que o tabu está sendo quebrado, que agora esses temas não estão mais condenados ao ocultamento como no passado. De qualquer forma, falta muito o que conquistar: conhecimento e respeito, de um lado, além da superação de práticas médicas obsoletas.

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    Mais de dez anos depois de lançar o livro sobre o seu filho, como avalia o efeito das palavras diante da ‘Grande Dor’ que menciona ali?

    A dor existe e continuará existindo, ainda que de uma maneira menos dolorosa. Ter escrito esse livro me ajudou a entender, a fazer as pazes com aqueles que se equivocaram e a recuperar e fixar minhas recordações de Daniel. Mas o mais importante é compartilhar esta história com os outros, que é o que se faz na escrita testemunhal. Isso me foi recompensado com a calorosa reação dos leitores, que me expressam sua dor ao ler e sua empatia com o drama de Daniel. Nada preenche o vazio de sua ausência, mas essa apreciação dos leitores é algo que agradeço infinitamente.

    A escritora franco-ruandesa Scholastique Mukasonga escreve que criou tumbas de papel para seus familiares vítimas do genocídio em Ruanda. Você, ao contrário, registra que não construiu um túmulo, mas deu o sangue a seu filho por meio das palavras. Podemos dizer que o poder da literatura se encontra nessa capacidade múltipla e diversificada de perpetuar pessoas e histórias?

    Sim, totalmente. Esse é tanto o poder da literatura que personagens que nunca existiram, como Dom Quixote ou Madame Bovary, nos parecem mais vivos e próximos que muitos seres de carne e osso. Acredito, como digo no epílogo do livro, que a minha escrita tenha dado uma segunda vida a Daniel, que o tenha salvado do esquecimento em que caímos quando morremos. Cada vez que um leitor abre as páginas de O que não tem nome, meu filho volta a viver em seu interior. A literatura dá vida a Daniel na imaginação de muitas pessoas, e inclusive tenho ouvido que há quem se apaixone por ele nessas páginas.

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