Há dois anos, a ONU registrou o Dia dos Oito Bilhões. Em 15 de novembro de 2022, a Terra atingiu essa impressionante marca populacional. É muita gente, e mais espantoso é saber que, segundo as projeções, em 25 anos já estaremos em 10 bilhões. É acréscimo de quase uma China e meia, ou dez brasis, ao planeta. E esse aumento não vai se dar de forma distribuída: há uma parte específica do mundo que cresce. Os 2 bilhões a mais de pessoas virão de países como Índia, Paquistão e nações africanas, o bloco dos “emergentes” — assim chamados porque são os que puxam o crescimento econômico. Acontece que, ainda de acordo com quem estuda o tema, quando a economia melhora em países emergentes, o excedente de renda vai para comida. Em poucas palavras: no mundo que cresce, as pessoas procuram comer mais e melhor.
Levando essa percepção econômica para um ponto de vista mais pessoal, devo dizer que me sinto muito tocada pelo tema. Minha história começa antes de mim, com meu pai trocando Portugal, então um país marcado por um cenário de insegurança alimentar, pelo Brasil, onde abriu seu negócio familiar. Nossa vida se construiu com base em alimentar as pessoas. Procurei, à minha maneira, seguir essa missão, trabalhando para incentivar hábitos saudáveis à mesa. Se alguns ainda não o fazem por falta de consciência, outros não o podem fazer por falta de recursos. Presenciei isso mudar no Brasil, como provavelmente você que me lê também, após o Plano Real e as conquistas sociais de governos posteriores. Naqueles tempos, vimos no noticiário a ilustração clara do dado econômico que trouxe acima. Com a estabilidade monetária e os programas de transferência de renda, milhões de brasileiros passaram a levar para casa alimentos como frango e iogurte, antes inacessíveis.
“Somos, hoje, um dos cinco maiores exportadores de alimentos no mundo”
Que essa transformação possa se dar em escala global muito me anima. A mudança de patamar econômico leva ao aumento do consumo de proteínas e alimentos diversificados. Mas de onde virá o alimento do mundo que cresce? Se você pensou no Brasil, pensou certo. Somos, hoje, um dos cinco maiores exportadores de alimentos no mundo. Temos vastas terras cultiváveis e possivelmente os melhores recursos hídricos entre os grandes produtores. É claro que, em um planeta que enfrenta as mudanças climáticas, não estamos diante de fontes inesgotáveis. Mas também nisso o Brasil pode ser pioneiro.
Países de extensão territorial limitada e pouca água, como a Holanda, adotam métodos inovadores, como fazendas verticais. Nelas, os plantios se dão em camadas empilhadas, em ambientes controlados com LED e usando pouquíssima água. Dá para imaginar que, gerindo bem os nossos benefícios naturais, podemos fazer isso e muito mais.
Já mencionei, em outro texto, o orgulho que tenho da ciência agrícola nacional, representada pela Embrapa. Temos alta expertise em práticas de enxerto e melhoramento de sementes, além de agricultura regenerativa. Não é preciso nem bem-vindo apostar em um só modelo para produzir comida.
Este é o momento para valorizarmos a produção de nossos agricultores e pecuaristas, investirmos em novas tecnologias e nos consolidarmos como referência mundial em segurança alimentar e sustentabilidade. O Brasil, que já foi chamado de país do futuro, tem tudo para ser o celeiro do mundo futuro.
Publicado em VEJA de 15 de novembro de 2024, edição nº 2919