Depois de uma longa queda de braço, acabou prevalecendo no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a tese de que é preciso começar a recompor o rombo herdado do governo anterior. Ao anunciar ontem a reoneração parcial dos combustíveis, fez-se um malabarismo para encontrar contrapartidas para reforçar os cofres públicos. No aspecto contábil, Fernando Haddad mostrou que tem voz. Mas dizer que o ministro da Fazenda saiu vitorioso desse processo é subdimensionar os desafios que ainda virão.
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A volta dos impostos sobre os combustíveis – zerados de maneira absolutamente eleitoreira pelo ex-presidente Jair Bolsonaro – não se deu da forma que queria o ministro. Se dependesse de Haddad, a reoneração integral para estancar uma sangria de R$ 28,9 bilhões até o fim do ano teria acontecido na largada do novo governo. Ele foi contrariado por dois meses. Viu seus pares no PT brigarem contra o que defendia com unhas e dentes. Mas conseguiu convencer Lula a achar um caminho do meio.
Na matemática, a receita do ministro deu certo. Para fechar a conta, juntou-se o reajuste de R$ 0,47 na gasolina e de R$ 0,02 no etanol a uma alíquota de 9,2% sobre as exportações de petróleo bruto. Os mesmos R$ 28,9 bilhões estariam garantidos, sem abalar tão drasticamente a popularidade do presidente Lula, meta principal da ala política do governo. Mas o ônus dessa nova arquitetura recairá sobre o ministro da Fazenda.
Haddad fica sob forte pressão do setor petrolífero, que tende a reagir alegando perda de competitividade nas exportações. Em tese, a medida é temporária. Vai durar quatro meses, segundo o que foi anunciado ontem. Mas já existe no mercado a preocupação de que a taxa seja estendida ou mesmo eternizada. Pela repercussão, a questão não é tanto o impacto imediato dessa cobrança. Mas seria um precedente perigoso. Um indicativo de que o governo prefere onerar essas empresas a arcar com o impacto político de uma taxação sobre o consumo.
A isso se soma o desgaste que Haddad acumulou junto à tal ala política do governo. O que não falta dentro do partido do ministro da Fazenda é quem torça pela sua fritura. E isso acontece num momento muito delicado para Haddad, que tem pela frente o desafio de fazer avançar sua agenda prioritária no Congresso, com destaque para a reforma tributária e a nova âncora fiscal.
No fim das contas, Haddad parece esperar que o Banco Central o ajude a estancar essa pressão. Ontem, o ministro achou por bem combinar o anúncio da reoneração dos combustíveis com uma nova cobrança para que a taxa de juros seja reduzida pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central. É uma aposta arriscada.
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