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Por André Sollitto e Ricardo Amorim Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
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Anvisa vai proibir importação de flores de cannabis medicinal

Aumento de prescrições das formas fumada ou vaporizada da erva leva agência a endurecer a fiscalização

Por Ricardo Amorim Atualizado em 15 Maio 2024, 23h36 - Publicado em 26 jun 2023, 18h47
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  • Ainda não é oficial, mas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não vai mais autorizar a importação de flores de cannabis in natura receitadas aos pacientes brasileiros. A decisão deve ser anunciada nos próximos dias e a extensão da proibição ainda é incerta. Segundo fontes próximas ao tema, após inúmeras considerações jurídicas e científicas, o órgão decidiu adotar uma interpretação “mais restritiva” da decisão judicial que abriu o caminho para a chegada das flores de cannabis ao mercado brasileiro. O assunto tem monopolizado as discussões entre pacientes, médicos, empresários, investidores, advogados e ativistas sem que se tenha chegado a qualquer consenso. As consequências desse debate, a começar por essa iniciativa da Anvisa, vão definir os rumos da cannabis medicinal no país.

    A origem da polêmica está na questão fundamental: o uso de flores desidratadas da planta, nas formas fumada ou vaporizada, é válido como indicação médica e abordagem terapêutica? A resposta não é simples e divide opiniões no setor. Como a Anvisa passou a aprovar inúmeras receitas que prescrevem flores, para tratar as mais diferentes condições de saúde, o mercado se mobilizou. De um lado, os defensores da autonomia médica e do livre-arbítrio do paciente, de outro, os que condenam a via pulmonar de administração da cannabis devido aos potenciais malefícios à saúde no longo prazo. Junte à equação alguns oportunistas que anunciam na internet ter encontrado um caminho jurídico para se tornar “um maconheiro legalizado”. Está armada a confusão que, na opinião de alguns especialistas, pode colocar em risco o mercado da cannabis medicinal brasileiro e prejudicar milhares de pacientes.

    Não há consenso nem mesmo a respeito da legalidade da prescrição de flores por aqui. A médica Paula Dall’Stella (CRM-SP 128122), uma das pioneiras no estudo da Endocanabinologia no Brasil, é taxativa: “A prescrição de flores secas de cannabis para uso medicinal não é permitida no país”. Sua colega Paula Vinha (CRM-SP 99415/RQE 26929), também referência no assunto e Coordenadora Científica da Conferência Internacional da Cannabis Medicinal (CICMED), é mais cautelosa. “Há uma brecha na legislação, que não diz nem que sim, nem que não”, afirma. De acordo com Alex Machado, diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o órgão regulador está de mãos atadas e não pode indeferir os pedidos de importação das flores. “A RDC 660 (resolução da agência que define os critérios para a importação) foi elaborada a partir de uma decisão judicial (Ação Civil Pública nº 0090670-16.2014.4.01.3400) muito abrangente e acabou por abrir a porteira. Se quem requisita é um médico, a Anvisa não tem como impedir, tem que autorizar, uma vez que a finalidade da flor é medicinal. Mas esse não é o cenário ideal”, explica. Ao que tudo indica, a agência já reuniu os argumentos para mudar essa interpretação e passará a impedir a importação de flores a partir dos próximos dias.

    Do lado da indústria, que comercializa em farmácias ou importa os produtos à base da erva, também não há consenso. Procurada para se manifestar a respeito, a Associação Brasileira da Indústria de Canabinoides (BR Cann), que representa 19 empresas e reúne as principais marcas do segmento, se esquivou do assunto. Segundo este Cannabiz apurou, a associação não conseguiu unanimidade entre seus membros para se posicionar a respeito. A falta de entendimento, no entanto, não impediu uma intensa movimentação no setor e no âmbito da própria Anvisa, alvo de poderosos lobbies, de ambos os lados. Para Allan Paiotti, CEO da Cannect, marketplace que oferece mais de 800 produtos de marcas nacionais e importadas, incluindo flores, os esforços do mercado deveriam se concentrar em iniciativas que coíbam os desvios de finalidade e o mau uso da RDC 660. “Há um lobby inconsequente de parte do setor que quer banir as flores. Se essa visão prevalecer, o que vai acontecer com quem faz uso desses produtos? Esses pacientes vão recorrer à Justiça para manter seu tratamento. Nesse caso, em vez de termos um corpo técnico altamente qualificado à frente da questão, como a equipe da Anvisa, teremos juízes decidindo que tipo de produto será autorizado ou não. Ou seja, um cenário muito mais arriscado e incerto, que certamente vai prejudicar milhares de pacientes”, afirma.

    Paiotti conta que há cerca de um ano percebeu um aumento na prescrição de flores de cannabis por médicos brasileiros. Segundo ele, a empresa reuniu seu corpo técnico, incluindo médicos e advogados, para decidir como a empresa deveria se posicionar frente à nova demanda. “Chegamos à conclusão de que não devemos interferir na autoridade do médico, que é o responsável por aquela prescrição. Mas colocamos em prática um sistema rigoroso de controle, que avalia caso a caso quando a receita inclui flores de cannabis”, conta. Atualmente, cerca de 10% das prescrições processadas pela Cannect indicam flores. Dessas, aproximadamente 20% são barradas pela própria empresa, devido a inconsistências ou suspeita de uso indevido. Fundada em julho de 2021, a Cannect informou ter atendido 15 mil pacientes até dezembro do ano passado e estima chegar a mais de 40 mil até o final de 2023. Na semana passada a empresa, que tem entre seus investidores o apresentador global Luciano Huck, informou ter atingido investimentos totais da ordem de R$ 40 milhões desde a sua fundação.

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    O empresário Marcelo Galvão, fundador e CEO da Tegra Pharma, critica a prescrição indiscriminada das flores que vem ocorrendo no mercado. Para ele, há excessos que acabam por desvirtuar o objetivo medicinal das flores. “É como criar um mercado recreativo paralelo, de forma disfarçada, como se fosse medicinal. Esse tipo de prática já ocorreu em muitos países, como nos Estados Unidos, por exemplo, onde as prescrições foram desvirtuadas por muito tempo. E isso impediu o surgimento de um mercado estritamente medicinal por lá. O mesmo aconteceu também no Canadá e em Israel, onde os médicos e o setor de saúde se afastaram do uso medicinal da cannabis.”, explica. Já Caroline Heinz, que atua há mais de 10 anos nesse mercado e hoje é sócia e fundadora da Flowermed, defende o potencial terapêutico das flores. “Estou tendo que repetir tudo o que eu disse sobre cannabis medicinal no passado, quando começaram as importações dos óleos. Agora tenho que esclarecer que as flores não vão causar dependência, não vão dar barato e não terão qualquer valor num eventual desvio para o mercado recreativo, uma vez que têm níveis muito baixos de THC, substância que causa o efeito psicoativo. Por outro lado, há inúmeras evidências clínicas e científicas que comprovam a eficácia das flores para inúmeras condições de saúde. Não podemos deixar esses pacientes desamparados”, afirma.

    Apesar de não enxergar na RDC 660 a brecha que tem possibilitado a chegada das flores importadas ao Brasil, a dra. Dall´Stella explica que esse modo de administração da cannabis tem sido aceito e recomendado por médicos ao redor do mundo. “Seguindo a experiência de outros países, onde é permitido o uso inalatório, podemos observar que o uso vaporizado da cannabis para fins medicinais pode oferecer algumas vantagens em comparação com outras formas de consumo”, diz. Entre elas, a médica cita a rápida ação: os compostos ativos da cannabis são absorvidos rapidamente pelos pulmões e entram na corrente sanguínea, resultando em uma ação mais imediata em comparação com outras formas de consumo, como a ingestão oral, em que os efeitos podem levar mais tempo para serem percebidos. Dall´Stella cita ainda condições de saúde para as quais há boas evidências de eficácia com o uso de flores, como alívio da dor; redução da espasticidade muscular em pacientes com esclerose múltipla, paralisia cerebral e lesões da medula espinhal; controle de náuseas e vômitos associados a tratamentos de quimioterapia, radioterapia e doenças gastrointestinais; melhora do sono; redução da ansiedade e estresse; e estimulação do apetite em pacientes com câncer, HIV/AIDS e distúrbios alimentares.

    Por sua vez Galvão, da Tegra, defende a substituição das formas fumadas ou vaporizadas por produtos como spray nasais, sublinguais e medicamentos com nano partículas que, segundo ele, trazem efeitos similares. “São produtos de apresentação farmacêutica, testados e seguros. Fumar cannabis não é considerada a primeira opção de tratamentos médicos, salvo em casos de redução de danos, de resgate (em crises) e outros e muito específicos, onde aí pode sim haver essa indicação. Mas mesmo a vaporização pode ter efeitos danosos a saúde, pois normalmente as temperaturas do vapor ainda são muito altas, afirma.

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    Para o ortopedista Ricardo Ferreira (CREMERJ 52-70697-3/RQE 12567), especialista em patologias da coluna vertebral e manejo da dor, o uso fumado ou vaporizado da cannabis, não se justifica. “No meu receituário, nesse momento, não há espaço para as flores. Nunca prescrevi e não acho seguro. Não há evidências nem mesmo de que a vaporização é mais segura que a combustão. Eu não me sinto confortável de prescrever algo que possa fazer mal ao meu paciente, que possa provocar uma inflamação das vias aéreas, por exemplo”, afirma. Ferreira chama ainda a atenção para o fato de que algumas das variedades de flores medicinais que chegam ao Brasil contêm Delta-8 THC, um canabinoide semissintético que emula os efeitos do composto natural, mas que tem recebido críticas mundo afora por seus riscos que ainda nem foram completamente mapeados, por se tratar de uma substância relativamente nova. Para a psiquiatra Ana Hounie (CRM-SP 94382/RQE 17704), presidente da Associação Médica Brasileira de Endocanabinologia, a Anvisa deveria mesmo barrar as flores, principalmente aquelas com Delta-8 THC. “A rigor, é proibido. Estão trazendo por uma brecha na regulamentação e agora chegam flores com canabinoides semissintéticos, que podem provocar inúmeros efeitos colaterais indesejados. E por que vamos usar flores se existem outras vias, mais seguras e mais eficazes?”, diz.

    Como resultado de toda a polêmica, a Anvisa parece ter chegado a seu veredito, a ser anunciado em breve e cujos detalhes ainda não são conhecidos. Fontes do mercado chegaram a cogitar a derrubada por completo da RDC 660, o que acabaria com o mercado de importação individual dos produtos com cannabis. Nesse caso, os cerca de 200 mil pacientes que se tratam com a erva no Brasil seriam obrigados a migrar para os pouco mais de 20 produtos disponíveis na farmácia, contra os 506 importados já catalogados pela Anvisa. No entanto, se apenas as flores forem banidas, como é mais provável, o impacto será significativamente menor. Mas o barulho seguirá intenso e a briga deixará o contexto regulatório para ingressar, novamente, no Poder Judiciário.

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