Combater a legalização da cannabis é uma das bandeiras da campanha de reeleição do presidente Jair Bolsonaro. E vem promovendo uma campanha de desinformação sobre o tema, divulgando notícias falsas e distorções sobre pesquisas científicas envolvendo a erva, suas aplicações na medicina e a experiência de outros países no processo de descriminalização e legalização.
Um dos casos mais recentes aconteceu em uma live, em que o presidente associou a alta no número de homicídios no Uruguai com a legalização da maconha, sem apresentar nenhuma fonte ou dado que sustente sua fala. “Temos o Uruguai aqui, que há poucos anos legalizou a maconha e estamos vendo o reflexo agora na explosão do número de homicídios no Uruguai em função, em grande parte, da maconha”, disse ele.
Ainda mais sério é o lançamento de uma cartilha, no final de junho, sobre os “riscos do uso e da legalização da maconha”. O material foi desenvolvido pelo Ministério da Cidadania, por meio da Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas (Senapred), em parceria com os ministérios da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, da Saúde, da Infraestrutura, e da Justiça e Segurança Pública. Ou seja, é uma mobilização de diversos setores do poder público.
A cannabis é apresentada como uma droga da morte, cujo uso está relacionado com o desenvolvimento de uma série de transtornos mentais, tais como esquizofrenia, transtornos psicóticos, depressão, quadros ansiosos, comprometimento cognitivo e suicídio. “Recentemente, o uso terapêutico da maconha voltou a ser tema de discussão no Brasil, baseado em informação científica de baixa qualidade e, sobretudo, em interesses financeiros de determinados grupos que pretendem estabelecer o negócio da maconha no país”, diz o prefácio do documento de 76 páginas.
A cartilha vai ainda mais longe, afirmando que não existe maconha medicinal, misturada comércio ilegal com subprodutos da erva e cita o que chama da “experimentos falhos” em países como Holanda. Para embasar os argumentos, usa artigos, alguns deles com mais de 30 anos.
A divulgação do material provocou a resposta da comunidade. As Associações da Cannabis Medicinal do Brasil repudiaram o documento, e a advogada Margarete Brito, diretora da Apepi (Apoio a Pacientes e Pesquisa de Cannabis), criou um abaixo-assinado que já conta com 12 mil assinaturas. Se chegar a 50 mil, será levado ao Governo Federal para pedir uma retratação.
A cartilha vai na contramão das discussões mundiais sobre o tema. Nos Estados Unidos, a maconha é legalizada em 19 estados, e a cannabis medicinal é aprovada em 38. Na Austrália, 40% da população apoia a legalização, e o apoio chega a 60% em algumas regiões do país. O Canadá, que tem um dos mercados mais avançados do mundo, vai lançar um teste de descriminalização da posse de cocaína, ecstasy e outras drogas em 2023.