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Carlos Góes: “Fraude fiscal é mais grave que corrupção”

Publico a seguir artigo do economista Carlos Góes, para quem práticas fiscais causam danos muito maiores ao país que casos isolados de corrupção

Por Leandro Narloch
Atualizado em 30 jul 2020, 22h55 - Publicado em 25 abr 2016, 15h02
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  • A parcela da elite política brasileira favorável à presidente Dilma tem propagado a ideia de que o impeachment não se justifica porque violações fiscais seriam uma tecnicalidade – e não um crime como a corrupção.

    Essa narrativa ignora que práticas fiscais têm consequências sociais muito mais profundas do que episódios específicos de enriquecimento ilícito.

    Durante a maior parte do século XX, em especial durante a Ditadura Militar, bancos públicos federais e estaduais serviram como máquinas de financiamento dos diversos níveis de governo. No lugar de seguir um orçamento previsível tendo por base impostos, muitos governadores utilizavam bancos estaduais para expandir seus gastos.

    No curto prazo, essas operações aumentavam a quantidade de moeda na economia – e, com isso, pressionavam ainda mais a inflação. Como se sabe, inflação alta sempre penaliza primariamente os mais pobres, que não têm meio de se proteger dela com investimentos financeiros. No longo prazo, esse uso político dos bancos públicos deixou amplas dívidas futuras no balanço instituições, chamadas de “esqueletos fiscais”. Durante década de 1990 elas teriam de ser resgatadas pelo governo federal – aumentando assim a dívida pública. O custo do endividamento elevado e da inflação nas alturas é conhecido: aumento da pobreza e da miséria, desemprego, falta de recurso para hospitais, para escolas e para políticas públicas em geral.

    As reformas fiscais que aconteceram nas últimas décadas tinham em mente as mazelas causadas por tais práticas. É por isso que a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe operações de financiamento de um banco público ao ente federado que o controla. As pedaladas fiscais são precisamente isso. Segundo o Tribunal de Contas da União, os atrasos atípicos, volumosos e deliberados nas operações entre o governo e a Caixa e o Banco do Brasil, que tinham o objetivo maquiar a situação fiscal do governo, constituíram um tipo de empréstimo. Isso porque essas operações forçavam os bancos a expor seu patrimônio para realizar gastos que eram do governo –algo análogo ao que ocorria durante a Ditadura.

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    Na época da criação da Lei de Reponsabilidade Fiscal, os legisladores também emendaram a lei que define crimes de responsabilidade para incluir entre eles o governo contrair empréstimo sem autorização legal. A ideia era fortalecer a estrutura fiscal determinando que, se o governante repetisse as práticas observadas durante o século XX, ele poderia perder seu cargo.

    Como o TCU confirmou que as pedaladas foram empréstimos e esses empréstimos não tinham fundamento na lei orçamentária, a prática se enquadra como um crime de responsabilidade. É por isso que as pedaladas estão no núcleo do debate do impeachment.

    Quanto aos incentivos futuros para os políticos, o fato de o Congresso utilizar a lei fiscal para afastar um governante – o que está previsto pela legislação – provavelmente vai ter efeitos positivos. O ato dá força à estrutura fiscal – já que prefeitos e governadores vão saber que, caso violem as provisões da lei orçamentária, poderão ser responsabilizados até mesmo com a perda de mandato. E isso tenderá a fazer com que políticos pensem duas vezes antes de gastar de excessivamente e violar os níveis de endividamento prescritos pela legislação.

    Dizer que questões fiscais são menores é ignorar a própria construção da democracia no Brasil. Em termos estruturais, fraudes fiscais são mais graves do que corrupção – porque envolvem não somente a situação presente, mas também o bem-estar de um povo no futuro.

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    Boas práticas fiscais significam a diferença entre uma sociedade com estabilidade de preços em que a população pode poupar, planejar e investir de forma racional e outra em que as pessoas têm de correr para as compras e estocar bens para não ver seu poder de compra deteriorado. Significam também a diferença entre uma sociedade em que nossos filhos e netos vão viver bem porque nós nos endividamos pouco e conseguimos poupar e investir e uma em que eles vão ter serviços públicos ruins e altos impostos porque terão que pagar a dívida alta que nós acumulamos.

    Reponsabilidade fiscal não é algo pequeno, não é uma nota de rodapé, não é uma desculpa. É algo essencial para a democracia, a república e o desenvolvimento. Minimizar isso é ignorar nossa história e é extremamente prejudicial à sociedade – em especial aos mais vulneráveis, que sofrem desproporcionalmente com a irresponsabilidade de políticos.

    *Carlos Góes é mestre em economia internacional pela Universidade Johns Hopkins e pesquisador-chefe do Instituto Mercado Popular.

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