SÃO PETERSBURGO – O que aconteceu com o brasileiro naturalizado russo Mário Fernandes e com a seleção anfitriã no último sábado é uma das razões para o futebol ser o esporte mais popular do planeta: ele é maravilhoso, mas também – e talvez justamente por isso – pode ser cruel e totalmente incoerente, ainda mais numa Copa do Mundo, de no máximo sete jogos por time a cada quatro anos.
O atleta nascido em São Caetano viveu as mais antagônicas emoções num espaço de cinco minutos. Primeiro, marcou de cabeça, nos minutos finais da prorrogação, o gol que levou a Rússia à decisão por pênaltis contra a Croácia, em Sochi. Explosão em todo o país. Em um dos bares lotados de São Petersburgo, comentei a um local, até com certo orgulho. “O Mário é brasileiro, você sabe, né?”. A resposta, um tanto ingênua, foi um bom sinal de como o esporte pode integrar povos e deixar para trás velhos preconceitos. “Não, não… o Mário é russo, tem passaporte russo.” No ABC paulista, a reação da família do jogador, flagrada pela Rede Globo, foi de arrepiar. O destino, no entanto, seria insensível, quase desumano, instantes depois, com os Fernandes. Mário, assim como Fedor Smolov, desperdiçou o pênalti que acabaria eliminando a Rússia da Copa em casa. Mas como nem tudo é crueldade no futebol, os torcedores reconheceram o esforço de todos os atletas, inclusive do brasileiro, e gritaram o nome da Rússia, com suas bandeiras, madrugada adentro.
Tabela completa de jogos da Copa do Mundo de 2018
Ao longo desta Copa do Mundo, houve outros casos de incrível crueldade da bola. Talvez a principal delas tenha sido com o goleiro dinamarquês Kasper Schmeichel. Ele defendeu nada menos que três penalidades, contra a mesma Croácia (o destino, por sua vez, tem sido bastante benevolente com a equipe de uniforme xadrez), mas acabou eliminado. Como consolo, levou na volta para casa o troféu de melhor daquela partida. E uma noite em que conseguiu se “emancipar” internacionalmente – ainda que tenha conseguido feitos importantes no futebol inglês como o histórico título do Leicester City em 2016, Kasper era sempre lembrado como “o filho de Peter Schmeichel”, lendário goleiro do Manchester United e da seleção dinamarquesa, que assistiu, todo orgulhoso, aos feitos do filho da arquibancada.
A sorte também não ajudou a seleção japonesa nas oitavas de final contra a Bélgica – e por consequência o Brasil. Depois de abrir 2 a 0 sobre os favoritos, a equipe asiática concedeu três gols na segunda etapa e voltou para a casa com uma enorme frustração. O primeiro gol belga, que iniciou a reação dos europeus e causou uma pane nos japoneses, foi completamente sem querer, uma cabeçada de Vertonghen que buscava encontrar um companheiro na área, mas acabou acertando o canto da meta do baixinho goleiro japonês Kawaguchi. Depois, o Japão foi castigado por sua própria ingenuidade ao ceder um contra-ataque, no último lance do jogo. O craque belga Kevin de Bruyne , carrasco do Brasil, poderia ter saído como vilão por sua incrível displicência na marcação do segundo gol japonês. Hoje, não só é candidato à craque da Copa como à Bola de Ouro.
O meia-campista Fernandinho também foi vítima da “crueldade”, desta vez entre aspas, pois veio aliada a péssimas atuações. O experiente jogador do Manchester City foi um dos protagonistas negativos do 7 a 1 em 2014, mas conseguiu se reerguer em quatro anos espetaculares no Manchester City. Se tornou queridinho não só de Tite, mas também de Pep Guardiola, que não cansam de elogiá-lo. Mas na grande chance que recebeu de se redimir, ao substituir o suspenso Casemiro contra a Bélgica, Fernandinho falhou novamente. Além de uma atuação muito ruim ao longo de todo o duelo, voltou para a casa com um gol contra, em lance de raríssima infelicidade, na conta. Quase uma maldade com um atleta tão competente e consagrado em sua carreira por clubes. Tite se recusou a falar em sorte ou azar no futebol, mas citou a “aleatoriedade” do jogo. Assim é o futebol, em que por vezes o acaso atropela qualquer conceito tático, físico, técnico ou emocional. E que bom que seja assim, ainda que às vezes sejamos as vítimas.