Assine VEJA por R$2,00/semana
Augusto Nunes Por Coluna Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

Valentina de Botas: Estrela da própria dignidade

Não celebro como heroínas quem topou o que poderia ter recusado

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 20h39 - Publicado em 13 dez 2017, 10h31
  • Seguir materia Seguindo materia
  • A revista Time escolheu como personalidade do ano mulheres que denunciaram o assédio do maníaco produtor de Hollywood, Harvey Weinstein. Algumas das “vítimas” (já explico as aspas) são retratadas na capa. Não li a matéria, mas, pelos comentários a respeito, essas mulheres são celebradas como heroínas por terem denunciado o assédio depois de 5, 15, 20 anos. Desculpem-me os mais engajados na assepsia de um passado e presente que, na minha opinião, não são habitados por heróis nem mocinhas, ainda que colonizados por criminosos. Estes são os assediadores, deixo claro, entretanto as assediadas que obtiveram o que só Weinstein poderia conceder no seu amplo feudo hollywoodiano são cúmplices dele. Há o caso de uma atriz que o acusa de tê-la assediado três vezes! Na primeira, ela poderia alegar não saber o que poderia acontecer na suíte já notória do produtor, mas na segunda e na terceira, o que ela pretendia? Dar ao tarado serial uma chance de remissão? Por favor, senhores, isso é brutal desrespeito com vítimas sem voz, sem alternativa, sem amparo ou defesa.

    Publicidade

    Não foi só uma vez nem duas que sofri assédio. A coisa é infernal, creiam, e pode afetar a nossa saúde se não mobilizarmos a força do nosso caráter ou não tivermos algum tipo de apoio. Não importa se sou bonita ou não porque assédio tem pouco a ver com a beleza da vítima, é muito mais uma questão de o assediador experimentar a delícia torpe a que sua libido patológica o obriga: o exercício dos podres poderes que uma determinada ordem das coisas lhe confere e cuja efetivação depende do conluio com a própria “vítima”, que, então, tem também um papel ativo. O que fiz? Recusei o papel. Não o papel naquele filme que eu queria tanto, mas o papel de cúmplice num ato abjeto contra mim mesma. Perdi promoções, amizades e outras oportunidades, mas desconfio de que nada disso me pertencia e aquilo que me pertencia me chegou por outros caminhos.

    Publicidade

    Não tenho competência nem disposição para julgar ninguém; inúmeras mulheres sofreram caladas com a boca de feijão e por instintos básicos como o medo (ou intimidação, o medo fertilizado por dada ordem social ou cultural) ou o da sobrevivência; outras silenciaram obedecendo a cabeça fraquinha; outras ainda com a alma cheia de ambição para as quais aquilo era meramente um negócio em que as partes entregavam o que tinham. Cada um sabe de si e deve ser responsável pelas decisões de subir à suíte do asqueroso Weinstein. Mas, depois de acordada a tratativa, as “vítimas” (estão claras as aspas?) que desfilaram no tapete vermelho do Oscar, que desceram na escala do amor próprio para ascender na escala do sucesso poderiam recuperar a dignidade que eventualmente tiveram um dia não apontando o comparsa dessa trajetória, mas reconhecendo que extraíram vantagens de um mundo odioso do qual queriam participar e não mediram esforços para isso. Não estou culpando as vítimas, culpo Weinstein, mas não celebro como heroínas quem topou o que poderia ter recusado.

    Vi comparações com o caso de Mike Tyson que, há 25 anos, foi condenado por estuprar Desiree Washington, a jovem que aceitou “conversar” com o boxeador no quarto do hotel onde ele estava hospedado. Não se sustentam, pois Desiree disse “não” e “não” é “não” em qualquer ponto da tal conversa. O exame de corpo de delito revelou que a moça estava machucada, evidenciando que tudo se consumou contra a vontade dela. Weinstein, pelo que consta, sempre recuou diante dos poucos “não” que ouviu. Posso estar completamente equivocada, como sempre se pode estar, mas tenho a sensação de que mais merecedoras de eleitas personalidades do ano pela Time são, por exemplo, a figurinista da Globo, Su Tonani, que não topou as investidas de José Mayer, e outras incontáveis mulheres que estrelaram a própria dignidade numa silenciosa, anônima e custosa vitória sem tapete vermelho.

    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Domine o fato. Confie na fonte.

    10 grandes marcas em uma única assinatura digital

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 2,00/semana*

    ou
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 39,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.