Roberto Pompeu de Toledo: Fator Lula
Entenda-me: prendê-lo será torná-lo mártir e oferecer um discurso a seus seguidores
Publicado na edição impressa de VEJA
– O juiz Moro fará mal ao Brasil se prender Lula. Na situação precária em que o país se encontra, com um governo que mal se aguenta nas pernas, preocupante situação econômica, desemprego, greves e outras ameaças à paz social, a prisão de um líder popular como Lula será seguida de manifestações que abrirão mais um foco de instabilidade.
– Desculpe, o juiz Moro não tem nada a ver com o que pode acontecer. Sua matéria é o que já aconteceu. Tem é que julgar, com isenção e obediência à lei, à “fria letra da lei”, se você aguenta o chavão, o que consta dos autos, não a súmula etérea das hipóteses e possibilidades.
– Para o ministro Gilmar Mendes, presidente do TSE, a “institucionalidade” deve ser levada em conta, no julgamento da chapa Dilma-Temer. Por “institucionalidade” ele entende o possível tumulto decorrente de se destituir mais um presidente. Ora, a “institucionalidade” também não consta dos autos, e no entanto é o que tem movido o TSE em suas manobras de adiamento do julgamento. Por que não levá-la em conta no caso de Lula?
– O exemplo é ruim. É lamentável que o TSE use de chicana contra si mesmo, para escusar-se de julgar. Seria igualmente lamentável que o juiz Moro cedesse a semelhante recurso. Quem feriu a lei, seja fraudando o processo eleitoral, seja aceitando propina de empreiteira, deve ser julgado em tempo razoável e punido conforme determina a lei.
– Há valores que transcendem a mera situação individual do réu. Além da institucionalidade, preocupa-me a história. Acho constrangedor que o primeiro presidente do Brasil a ir para a cadeia seja também o primeiro de origem operária. Os livros haverão de ponderar se, tivesse ele outra origem, não teria merecido outra sorte.
– Seu argumento põe a noção de privilégio de cabeça para baixo. Políticos de origem operária mereceriam, por privilégio adquirido no berço, tratamento diferenciado. Quando se afrouxa o cumprimento da lei, o que desde sempre ocorreu no Brasil, instaura-se o reino da impunidade. A Operação Lava Jato abre a oportunidade histórica de corrigir tal escrita. O TSE faz mal em remar no sentido contrário, e o juiz Sérgio Moro fará mal se seguir no mesmo caminho.
– A prisão de Lula estimulará o discurso do ódio que assola o país. Ouvi há pouco alguém dizer que vê-lo preso “é o que mais deseja na vida”. Os advogados de Lula partiram para provocações, nas audiências com Moro, que beiram a ofensa. Entre os lulistas há mobilização para manifestação em Curitiba, quando Lula for depor.
– Se há provocações, mais razão terá Moro em não recuar, na estrita observância do que falam os autos e do que prescreve a lei. Idem se houver manifestações. De resto, não acho que Lula seja ainda popular a ponto de sua prisão causar abalo na ordem social.
– Falta o argumento eleitoral. Entenda-me bem: não estou fazendo a defesa de Lula. Não quero que ele volte à Presidência da República. Prendê-lo será torná-lo mártir e oferecer um discurso a seus seguidores.
– O discurso da vitimização eles já têm.
– O ideal, para mim, seria que ele até pudesse concorrer à eleição de 2018. Concorrer e perder. Ou você acha que sobreviveria à campanha candidato com tanta denúncia no prontuário? A derrota eleitoral, só ela, pode conduzi-lo à via da irrelevância na política brasileira. Preso, ou mesmo solto e impossibilitado de concorrer, ganharia as credenciais para exercer entre nós papel semelhante ao do fantasma de Perón na Argentina. De modo menos religioso que na Argentina, mas ainda assim semelhante, e com o mesmo efeito de atravancar a política do país.
– Seu argumento se apoia numa conjuntura. Permanentes são os valores da lei. A aplicação da lei, seja a quem for, diz respeito ao fato revolucionário que está ocorrendo no Brasil, que é a Operação Lava Jato, e no qual o país aposta seu futuro.
– Quer saber? Acho que do estrito ponto de vista político a prisão seria hoje a melhor saída para Lula. E para os lulistas.
– Quer saber? O “estrito ponto de vista político” é tudo o que um juiz consciente de seus deveres tem por obrigação evitar.