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Por Coluna
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O sono da razão de assassinos intoxicados

Como de praxe, até celibatários que nada entendem de formação de crianças e educação de alunos intoxicaram o distinto público com seus diagnósticos

Por Deonísio da Silva
Atualizado em 17 mar 2019, 14h58 - Publicado em 17 mar 2019, 11h48

Deonísio da Silva

O pintor espanhol Francisco de Goya retratou-se sentado e dormindo sobre suas anotações. Seu corpo luta para não dormir, mas a força do sono é maior.

Atrás dele, criaturas soturnas espreitam o sono do pintor: morcegos, linces, corujas e um gato preto, representando fantasmas e medos do artista.

Talvez a obra de Goya sirva de moldura para outro massacre numa escola brasileira, que serviu de pretexto para falsas interpretações.

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Como de praxe, até celibatários que nada entendem de formação de crianças e educação de alunos intoxicaram o distinto público com diagnósticos mais arrumadinhos e mais bem aparados do que seus cabelos e pestanas, preocupados em aparecer, dando a impressão de que sabem de tudo, como sempre. Não sabem. E mostram isso logo ao abrir a boca. Mas enganam bem, há muito tempo e a muita gente.

As coisas, porém, começam a mudar. Assim, houve quem trouxe, como o psicólogo, advogado e assistente social Jacob Pinheiro Goldberg, ainda no calor da hora, o claro raio ordenador para ver os acontecimentos à luz de prática e teoria combinadas.

Em resumo, as raízes destas tragédias de já assustadora frequência estão no ambiente intoxicado em que vivem os estudantes, onde é patente a falta de autoridade sobre adolescentes e jovens, seja por parte dos pais, seja por parte dos professores, e no caráter violento da sociedade brasileira e seu complexo sistema de exclusões, sem esquecer o lado patológico e demoníaco do mal em si mesmo. De resto, a razão ainda esbarra em aspectos inexplicáveis do cotidiano, mesmo quando não está dormindo.

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Mas o fato é que para milhões de brasileiros, sejam crianças, adolescentes, jovens ou adultos, sempre falta quem lhes possa dizer não. “Manda quem pode e obedece quem tem juízo”, diz o provérbio, mas no Brasil o verbo obedecer virou pesado anátema. Mandar também.

Sem contar que muitas drogas rondam as escolas, não apenas o tóxico, associado aos mais diversos crimes, como sabem aqueles que frequentam o ambiente escolar e universitário.

A própria palavra assassino veio do Árabe haxaxin, fumador de haxixe, droga utilizada para instigar jovens bandoleiros a assaltar e matar os cruzados nos desfiladeiros do Irã, a caminho de Jerusalém, entre os séculos XI e XII.

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Haxix designa erva seca em árabe, que pode ser feno, forragem, mas também o cânhamo, cannabis sativa em Latim e makanha em Quimbundo, uma língua africana. Deu maconha em Português.

O haxixe e a maconha tornaram-se drogas de referência, mas no berço estas palavras ainda estavam cobertas pela pureza das designações originais, sem quaisquer ligações com o crime.

Entre fins do século XI e começos do XII, durante as primeiras cruzadas, um líder religioso nizarita, ramo dissidente do islamismo xiita, notabilizou-se por liderar um bando que cometia as maiores atrocidades nos desfiladeiros do Irã.

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Conhecido pelo apelido de Velho da Montanha, por refugiar-se entre as montanhas do Norte do Irã, numa fortaleza conhecida por Alamute, cujo significado é Ninho da Águia em língua persa, o ancião chamava-se Hassan ibn al-Sabbah Homairi e, depois de perpetrar inumeráveis homicídios, foi executado pelas tropas de Gengis Khan em 1124, aos 90 anos.

Ele e seus liderados tinham, porém, cometido tantos homicídios em mais de meio século de assaltos sistemáticos que a palavra assassino, cujo étimo veio da erva consumida, com influências do nome do próprio chefe, chegou ao Português e substituiu homicida, confinado aos territórios jurídicos da lei, o mesmo ocorrendo em outras línguas.

Os jovens assassinos autores do massacre na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP), fizeram com que palavras como assassino, bárbaro, pavor e medo fossem invocadas para descrever a situação de pânico que instauraram ali. É curioso que esteja ausente a palavra fobia nessas horas, que reservamos para medos irracionais, como homofobia, claustrofobia, demofobia etc.

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Outras singularidades estão no tenebroso e trágico contexto. O professor Raul Brasil, que dá nome à escola paulista onde houve o massacre, era casado com uma senhora chamada Otília. Eles tiveram dez filhos e a todos deram nomes iniciados por H: Helena, Hugo, Herval, Hélio, Heitor, Hilda, Heberth, Hebe, Haydeé e Heros.

No reino das palavras, escrevendo apenas para dizer outras coisas, não com o fim de acrescentar alguma luz sobre a tragédia, mas com o propósito de aliviar a tamanha tristeza que tomou conta de todos, lembremos que a inocência original das palavras é violada de forma inaudita quando elas são usadas para expressar outras realidades.

Assim, a palavra escola está mudando de significado ao longo destas últimas décadas no Brasil. Pouco se aprende ali, pela decadência assustadora do ensino, e para piorar tornou-se, como as igrejas, os templos, as universidades, as mesquitas e as sinagogas em tantos lugares do mundo, um alvo de terroristas desesperados para aparecer na mídia, ainda que o coroamento de seus atos seja o suicídio.

Algo deve ser feito e a sociedade ainda não sabe como defender-se de assassinos que querem matar, mas também querem morrer junto com suas vítimas.

Uma tarefa urgente, porém, se impõe: acordar a razão.

*Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
https://portal.estacio.br/instituto-da-palavra

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