EDITORIAL PUBLICADO NO GLOBO DESTA SEXTA-FEIRA
A polícia fluminense parece se enredar, em suas linhas de investigação, numa série de pontas de uma meada que, espera-se, leve aos responsáveis pelo atentado contra Patrícia Acioli. Já se vão duas semanas desde que a juíza foi executada na porta de casa, em Niterói, por um grupo de extermínio visivelmente bem organizado – por si só, um indício que não pode ser descartado nas diligências em curso. É inquietante a demora. Se não na identificação dos assassinos – compreensível quando se lida, ao que tudo indica, com bandidos profissionais -, mas ao menos para dar à sociedade sinais concretos de que a apuração do crime está bem encaminhada. Ou seja, que o assassinato não só será esclarecido, mas o será com a presteza que o caso exige.
Não apenas pela emblemática gravidade do homicídio, uma clara tentativa de emparedar a Justiça pela eliminação física de uma inflexível representante do Poder Judiciário, mas porque mostrar tibieza ante a desenvoltura dos criminosos lhes estimulará a outras afrontas ao Estado e suas instituições. Disso decorrerão óbvios, e indesejáveis, respingos na credibilidade de uma política de repressão ao crime que o governo estadual vem aplicando com resultados positivos, no que diz respeito ao combate às quadrilhas de traficantes e milicianos, bem como ao visível resgate da sensação de segurança dos cidadãos.
Se não recolheu provas consistentes ou ao menos indicações que lhe façam chegar aos assassinos, a polícia, por outro lado, já dispõe de uma inescapável evidência sobre a motivação do crime, de uma lista de suspeitos e até mesmo de uma preciosa pista – no caso, a munição empregada pelos bandidos, subtraída do arsenal da Polícia Militar. À parte a constatação de que, independentemente de quem foram os autores da execução, verifica-se aqui um crime dentro do crime, ou seja, o uso ilegal de armas policiais, a descoberta reforça a suposição de que o atentado tem as digitais da banda podre das polícias. Até porque o próprio comandante da PM, coronel Mário Sérgio Duarte, admitiu que são praticamente irrefutáveis as indicações de participação de policiais no homicídio.
Não à toa, grande parte do rol de possíveis interessados na morte da juíza é formada por policiais por ela punidos, ou com processos em andamento na Vara Criminal que Patrícia comandava. A lista também contém notórios integrantes de grupos paramilitares, a maioria ex-policiais, e bicheiros ligados a milícias de São Gonçalo. Todos, portanto, conectados à mesma rede de criminalidade alimentada pela promiscuidade entre o crime organizado e marginais travestidos de agentes públicos da ordem, que agem sob a perigosa imunidade que lhes é conferida por conta de pressupostos estatutários de seus cargos.
O esclarecimento da morte de Patrícia Acioli passa, também, pela fundamental necessidade de iluminar, em definitivo, a até agora nebulosa participação do Tribunal de Justiça nos procedimentos de segurança devidos à juíza. Por fim, a inegociável descoberta, seguida da punição exemplar, dos responsáveis pelo crime precisa levar a outra providência, esta de caráter estratégico: uma faxina radical nas polícias Civil e Militar, iniciativa há muito cobrada pela sociedade, mas postergada pelas autoridades.