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Fernando Gabeira: O grito dominical

Publicado no Globo FERNANDO GABEIRA Hoje é domingo, dia de manifestação. Dia singular, pois podemos sair às ruas e dizer em alta voz o que queremos para o país. Digo singular porque o grito nas ruas nos libera do esforço, construindo mediações nas relações cotidianas. Outro dia, ia entrevistar um prefeito do PT no interior […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 00h42 - Publicado em 16 ago 2015, 12h04

Publicado no Globo

FERNANDO GABEIRA

Hoje é domingo, dia de manifestação. Dia singular, pois podemos sair às ruas e dizer em alta voz o que queremos para o país. Digo singular porque o grito nas ruas nos libera do esforço, construindo mediações nas relações cotidianas. Outro dia, ia entrevistar um prefeito do PT no interior a propósito de algo muito positivo que acontece em sua cidade. No entanto, eu me vi planejando uma pergunta indispensável, com o máximo de diplomacia: “O que o senhor acha dessas coisas que acontecem com o PT?”

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Entre amigos, às vezes, a discussão sobre política vai para a sobremesa. Mesmo reconhecendo o desastre do projeto do PT, há os que ainda, sentimentalmente de esquerda, temem as mudanças. Nesses casos, é possível uma abstração ainda maior, quando tocamos no tema:

— Está grave a crise.

— Gravíssima.

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É um diálogo parecido com os ouvidos no interior:

— Compadre, vem chuva.

— Vem não, esse vento engana.

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— Olha que vem, compadre.

A partir de um grito coletivo, como o de hoje, sem ferir a sensibilidade do outro, será mais fácil demonstrar que não é possível, nesse momento, deixar de considerar uma solução para a crise.

Sou pela saída de Dilma. Não tenho meta: impeachment ou renúncia. Mas quando chegar a essa meta, desejaria dobrá-la e levar também Eduardo Cunha e Renan Calheiros. Essa frase de não ter meta e dobrá-la ao atingi-la me lembra o zen-budismo. Uma de formas de transmissão de seus ensinamentos é o koan, de um modo geral uma frase desconcertante: ouvir o batido da palma de uma só mão.

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Dilma é uma mestre zen que tomou um porre de saquê. Uma boa razão para segui-la. Outro dia, em Mumbuca, no Jalapão, os fiéis saíram do culto na igreja local e comeram uma imensa bacia de mandioca. Logo depois, passei por uma casa em que a mulher raspava a mandioca e os filhos a molhavam e amassavam. Saudei os produtores de mandioca. Se saudasse apenas a própria, podiam não entender. Cumpri meu dever cívico.

Respeitosamente, portanto, analiso os caminhos da queda. O impeachment é algo feito nas instituições. É preciso alguém investigar as contas, tribunal julgar, advogados pra cá, advogados pra lá, enfim, algo que corre muito longe do alcance de um indivíduo. Só podemos vigiar e cobrar. Já a renúncia depende mais da sociedade, de suas formas de demonstrar que não quer ser governada por ela. Dilma tem 8% de aprovação. Existem duas maneiras de ver seu futuro. Ela pode se convencer do movimento declinante e, num gesto de grandeza, renunciar. Ou ela pode chegar a 1% de aprovação e também, num gesto de grandeza, renunciar, dizendo: “Nunca um presidente será tão impopular como eu”.

Ela terá de escolher entre entrar para a História ou para o “Guinness”. Isso não significa subestimar o caminho institucional do impeachment. Apenas fazer o que está ao alcance da sociedade. Dependem dela o ritmo e a intensidade da pressão sobre Dilma.

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Dá uma certa ansiedade ver o Brasil sem rumo. Dilma mostra que ganhou o apoio da UNE e do MST. Agora vai. Fechada no gueto, promove atos cirurgicamente preparados para evitar protestos. Apenas uma forma de dizer que está viva. Os jornais falam que Renan Calheiros foi chamado a salvar Dilma. Mas quem salvará o salvador? Renan está implicado na Lava-Jato e ainda corre aquele processo em que empreiteiras pagavam a mesada de sua bela amante.

Essa dança de encontros em Brasília é, na verdade, um ritual vazio, destinado a jogar areia nos olhos da plateia. Todos sabem que a polícia está chegando e que a crise econômica não se debela com algumas medidas anotadas no guardanapo do bar. A mais recente aparição de Dilma foi em Roraima. Ela estava inaugurando casas. O discurso sobre a casa é mais patético que os outros porque faz sentido, é possível detectar alguma lógica nele.

Dilma evoluiu e já está em condições de escrever sua primeira composição infantil. Segundo ela, na casa mora a família, as pessoas comem, têm laços afetivos, amam suas crianças. Ela viajou tanto para fazer esse discurso espontâneo mas também para justificar o recado ensaiado sobre sua capacidade de resistir a pressões. Vestiu de novo a máscara da militante com vontade de ferro, uma reminiscência stalinista na esquerda armada latino-americana. Ela confunde o momento da ditadura com a aspiração popular de acabar com a roubalheira e retomar o curso de nossa vida republicana. Confunde panelaço com pau de arara, rejeição política com tortura.

Congelados num momento histórico de resistência, prosseguem na vida como se cada dia fosse uma oportunidade de mostrar heroísmo, coragem e coração valente. Um coração valente não dispensa uma cabeça pensante, sobretudo no momento de crise. Dilma já consegue escrever um parágrafo sobre a casa. Não consegue entender uma vírgula do processo histórico.

Compete a cada um de nós mostrar que esse sistema criminoso de governo chegou ao fim. O momento é de abrir a janela para o sol e o ar puro. Respirar de novo.

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