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Da inutilidade da compra de certificados

O Brasil não dispõe dos instrumentos capazes de criar uma democracia representativa

Por Fernão Lara Mesquita
Atualizado em 30 jul 2020, 19h44 - Publicado em 14 Maio 2019, 14h22
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  • Fernão Lara Mesquita (publicado no Vespeiro)

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    O problema do Brasil é a total independência do País Oficial em relação ao País Real. Tudo o mais é nada perto disso. A sobrevida desse País Oficial desenhado como uma privilegiatura depende dessa independência. Eles sabem que estarão mortos quando o País Real renascer. Daí ano perdido para nós ser ano ganho para eles. Já vamos em duas “décadas perdidas” desde que o País parou. Mas ele vem desacelerando desde 1988, quando a privilegiatura plantou o marco da sua independência do Brasil, que foi a Constituição profeticamente chamada “dos Miseráveis”, hoje um compêndio de 250 artigos e 80 emendas, todos menos um especificamente desenhados para anular a soberania do povo que o primeiro dos seus Princípios Fundamentais afirma.

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    O Brasil anda perdido. Além do que já está pronto para o consumo, só importa do mundo que funciona as obsessões que o tédio e as doenças correlatas da abundância lhe infligem: os ódios de raça, de gênero, de religião e seus subdepartamentos; as deformações alimentares, os vícios, o ridículo. O componente conspiratório pesa menos do que parece. O canal preferencial dessa linha de contaminação é a arte, a escola e a imprensa vira-latas. O professor, o artista e o jornalista vira-latas integram um grupo autorreferente que vive de chamar mediocridade de talento e vício de virtude (e, claro, de transformar o pertencimento ao grupo em verbas públicas e privilégios vitalícios). Tudo referir a esses temas, o preço a pagar pelas graças recebidas, são a “credencial de modernidade” com a qual se sentem autorizados a retrucar com “carteiradas” qualquer argumento racional em contrário. Conjecturar sobre o que e como fazer para mudar a nossa realidade, como outros pedaços mais humildes da humanidade fizeram, não é, para eles, “aprender”, é aceitar a acusação de “lacaio”, condição que todos, aliás, estão treinados para assumir de bom grado desde que seja do feitor certo.

    A elite empresarial de boa-fé, imersa nesse processo de deseducação, “compra certificados” de progressismo criando cursos de capacitação e empreendedorismo em favelas e comunidades quilombolas, espalhando bandeiras do Brasil pelas ruas, financiando candidaturas de quem tope receber vagos cursos de honestidade na política… Para ser exato, não sabe o que fazer. Quer, como a maior parte dos outros brasileiros de boa-fé, até os políticos, plantar aqui o resultado das profundas reformas feitas pelas sociedades “de sucesso” sem antes passar por elas.

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    Não é que nossas elites não acreditem na liberdade. Nunca a experimentaram. Não sabem o que é. Por isso morrem de medo dela. Não têm a menor ideia de como “a desordem” que a liberdade cria trabalha para impulsionar o crescimento, o empreendedorismo, a inovação. Com os dois pés nos estágios mais básicos do mandonismo ─ positivista no caso da elite política, da revolução industrial no da empresarial ─, nenhuma aceita com naturalidade a submissão ao povo e à alternância no poder político, uns, e à “destruição criativa” e à alternância no poder econômico, os outros. Consciente ou inconscientemente, trabalham todos contra a mudança ao tratar de proteger o povo dele mesmo, porque não existe mudança possível antes da mudança da fonte de legitimação do poder.

    Em toda a parte os salários mais altos atraem as maiores ambições, os mais dispostos a tudo e, no sentido darwiniano da expressão, os mais aptos. Cria-se então uma elite que trata de perpetuar-se comprando a melhor educação, a melhor informação, a melhor medicina. Nos EUA, do final dos 70 em diante, o setor financeiro, de instrumento acessório do desenvolvimento se foi transformando, ele próprio, “no” poder, tão estratosférico foi o nível a que chegaram os salários. Depois da crise de 2008 metade do governo passou a “emanar”… do Goldman Sachs. Os americanos “pés-duros”, porém, contam com poderosas defesas contra isso. Além da Constituição mais sólida do planeta, copiaram há mais de cem anos, quando estiveram tão podres quanto estamos hoje, o remédio que os suíços inventaram há mais de 700 (isso mesmo, desde 1291!) para transformar escravos em senhores que os fez a maior renda per capita e o povo mais educado do mundo. O mesmo que os japoneses adotaram a partir de 1945, os coreanos desde 1954 e que o resto do mundo que funciona vai copiando hoje.

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    O Estado brasileiro paga os maiores salários relativos do planeta. Tão altos que fora dele só restaram miséria e brejo. A disputa de poder ─ o político e o econômico ─ dá-se, por isso, exclusivamente pelo controle do Estado. Mas nas nossas condições de extrema fragilidade a elite que se reveza no poder não se apropriou apenas do governo, apropriou-se da própria Constituição, que transformou no instrumento incontestável da sua autorreprodução.

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    O único ponto fraco do “Sistema” é a ilegitimidade que a morte à míngua da economia nacional põe, agora, numa evidência impossível de abafar. O único inimigo capaz de derrotá-los é a força que a opinião pública apenas começa a desconfiar que tem e usa, ainda, a esmo, sem foco, como uma adolescente estabanada. A vitória só virá se e quando entender que, sendo o jogo institucional, é preciso definir quais instituições se fazem necessárias para reverter dawinianamente o processo darwiniano com que se defronta. O que é preciso exigir para transformar em fator decisivo de fracasso o que antes era fator decisivo de sucesso do inimigo, e deixar que a natureza, agora através de um filtro de seleção positiva, faça o resto.

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    O povo brasileiro perde todas porque não tem representação no País Oficial. “Democracia representativa” é uma hierarquia em que os representados mandam e os representantes obedecem, mas o Brasil não dispõe dos instrumentos capazes de criar uma. Isso só é possível se e quando o sistema eleitoral permite saber quem, exatamente, representa quem, e o representado traído pode demitir no ato o representante traidor.

    O resto ─ todo o resto ─ é “me engana que eu gosto”.

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