Publicado no Globo
Quanto maior a dívida, maior a taxa de juros que o devedor terá de pagar para se financiar. E mesmo pagando caro, terá dificuldade para arranjar credores dispostos a emprestar mais dinheiro. Certo? Errado — se esse devedor for o Japão, um país que produz bens e serviços no valor de US$ 4,6 trilhões ao ano e cujo governo deve US$ 10,5 trilhões (ou 230% do PIB). Pois ainda na última terça-feira, investidores internacionais andaram comprando títulos de dez anos do Tesouro japonês com taxa de juros negativa. Isso mesmo, -0,05% ao ano.
Entenderam bem: se esses investidores guardarem os papéis até o vencimento, receberão menos do que aplicaram. Ainda assim, houve até uma pequena corrida por aqueles títulos, com a venda simultânea de ações na Bolsa de Tóquio, que caiu quase 8% nos dois primeiros dias desta semana. E não caiu ontem porque estava fechada por conta do feriado do Ano Novo Lunar.
Verdade que os juros estiveram levemente negativos e por apenas alguns minutos do pregão — apressam-se a explicar os analistas. No geral, a taxa está zero ou levemente positiva, acrescentam.
Ah! bom! O normal então é uma espécie de garanta o seu. Se não dá para ganhar, o negócio é não perder.
Quer comparar? No Tesouro Direto, você, leitor, pode comprar um título do governo brasileiro com vencimento em janeiro de 2017 com taxa pré-fixada de 16,2% ao ano, pagando juros semestrais. Pode também comprar títulos que pagam a inflação mais 7,4%.
A dívida bruta brasileira está se aproximando dos 70% do PIB neste ano — valor considerado muito alto para um país emergente, mas uma mixaria quando comparada com a de 230% do PIB do governo japonês.
E, então, como ficamos?
No caso do Japão, parece que consumidores e investidores perderam a confiança na recuperação do crescimento. Na verdade, essa percepção, essa desconfiança ou o medo de que a economia mundial não vai crescer se espalhou pelos países desenvolvidos nas últimas semanas. Mais que isso: muita gente passou a temer que se repita a devastadora crise financeira de 2008/09.
Olhando os números — como lembrou ainda ontem Janet Yellen, presidente do Fed, o banco central dos EUA — nenhum sugere que o mundo está sequer perto de um novo terremoto.
Mas, sabe como é, quem tem muito dinheiro a perder e quem já perdeu desconfia. E se protege. Títulos do governo da Alemanha pagam quase nada, menos de 1% ao ano. Dos EUA, 1,7%. Todos com boa demanda, assim como os papéis japoneses.
A regra do jogo aqui é segurança. Se as ações de grandes bancos estão em queda — como as do Deutsche — no que mais se pode confiar? Nos governos mais sérios.
Essa confiança ajuda os governos a se financiar, mas, curiosamente, traz um outro problema. Por exemplo: investidores compram ienes para adquirir os títulos do governo. Com isso, a moeda japonesa se valoriza, o que atrapalha uma economia fortemente exportadora. Ora, isso reduz a possibilidade de crescimento, mesma queixa nos EUA.
Daí o Banco Central japonês ter colocado a taxa de juros abaixo de zero. Assim: se um banco comercial resolver depositar suas reservas no BC, vai pagar 0,1% sobre o total. Isso mesmo, paga para deixar o dinheiro lá parado.
Claro que o objetivo do BC é o contrário: que os bancos comerciais rodem esse dinheiro, emprestem para empresas e consumidores, de modo que estes gastem e movimentem a economia.
O que aconteceu nos últimos dias foi que o pessoal preferiu deixar o dinheiro parado.
Essa é a batalha atual no mundo desenvolvido: os bancos centrais fazendo o possível para que as pessoas invistam e gastem em coisas reais, de fábricas a automóveis. E o pessoal meio que desconfiado.
E ninguém tem medo que esses governos superendividados deem o cano? Não.
Por que?
Porque não, porque são confiáveis.
Nesse ambiente, ganhar juros reais de mais de 7% ao ano é uma magnífica tentação. A economia brasileira vai mal das pernas, o governo está produzindo déficits que aumentam sua dívida, mas não vai quebrar amanhã. Sim, é arriscado, o investidor tem de pagar um seguro elevado quando compra papéis brasileiros, mas, caramba! — inflação mais 7% é imbatível, pelo menos enquanto durar a festa.
Eis a história: todos os BCs gostariam que empresários e consumidores fossem ao mercado real. Uns podem impor o desestimulante juro zero, outros, que perderam a confiança ao longo da história, têm de oferecer juros estratosféricos para financiar suas contas detonadas.
Confiança, juro zero.
Desconfiança, medo e tentação: juros no céu. Ou no inferno.