Brasil e China na encruzilhada da inovação
Criatividade brasileira come poeira ante estratégia e organização dos chineses
Marcos Troyjo
Em 1996, um dos grandes itens da agenda internacional era a chamada “GII” (sigla em inglês para Infraestrutura de Informação Global). Àquela altura, como hoje, temia-se que o acesso privilegiado a arquiteturas de conectividade, de que é exemplo a internet, alargaria ainda mais o fosso entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
A distância entre os que “têm e os que não têm” (“haves and have-nots”), como se costuma dizer no vocabulário da economia do desenvolvimento, seria acrescida pelo golfo digital. Discutir maneiras de promover que mais e mais nações estivessem “wired” (conectadas) parecia ganhar o centro do palco de muitos lances de diplomacia.
Não é de estranhar que uma das publicações mais influentes do campo das tecnologias da informação (TIs), lançada também na metade dos 1990, tenha sido batizada com esse nome: Wired.
Al Gore, então vice-presidente dos EUA, desempenhava o papel de arauto da “supervia da informação” (“information superhighway”). Os europeus, como atualmente, sempre buscavam concentrar as discussões em aspectos regulatórios e de multiplicidade cultural.
A maioria dos latino-americanos enxergava essa temática como muito distante, e os principais temas da competitividade econômica pareciam resumir-se, no caso do Brasil, a denunciar subsídios europeus à produção agropecuária, embates comerciais no âmbito dos cítricos ─ como o suco de laranja concentrado ─ e o contencioso Embraer-Bombardier no que se refere à exportação de aeronaves de médio porte.
Foi nesse contexto que em maio daquele ano o governo da África do Sul sediou, na cidade de Midrand, uma conferência multilateral sobre a Sociedade da Informação e Desenvolvimento. Nelson Mandela foi o anfitrião.
Ivan de Moura Campos (descrito hoje como o mestre Yoda da inovação mineira), à época secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia, chefiava a delegação brasileira. A representação dos EUA era liderada por ninguém menos que Joseph Stiglitz, que anos mais tarde ganharia o Prêmio Nobel de Economia.
Fiz parte da delegação brasileira àquela conferência. Naquele tempo, eu chefiava o gabinete do Departamento de Cooperação Tecnológica do Itamaraty. Recordo-me, nos preparativos para a reunião, de levantar alguns dados sobre o investimento que cada país em desenvolvimento destina a pesquisa e inovação.
No intervalo de 1978 a 1996, a China havia dobrado a aplicação de recursos nessa área de ponta, mas num investimento total esquálido. Havia saltado de 0,2% para 0,4% do PIB. O Brasil, por seu turno, o mesmo: seu investimento em P&D (pesquisa e desenvolvimento) saltara de 0,5% para 1%. Nesse particular, na metade dos anos 1990 o Brasil era o país do hemisfério Sul a destinar, em termos percentuais ou nominais, a maior fatia do seu PIB à tecnologia.
Bem, ao analisarmos agora o que aconteceu nesses últimos 22 anos, perceberemos como a China ultrapassou dramaticamente o Brasil nessa área, seja em termos quantitativos, seja em questões como qual o tipo de ator investe majoritariamente em inovação.
O Brasil de 2018 continua no mesmo 1% de investimento de 22 anos atrás. E 75% de tais recursos são realizados por atores governamentais ou universidades estatais.
Na China de hoje já são destinados 2,2% a P&,D, e 75% disso é resultado de investimento de empresas. Compreende-se, assim, como a China já rivaliza com os EUA na condição de país que mais deposita patentes na Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI).
Isso tem muito que ver com o modelo de política industrial-comercial adotado por cada país.
No Brasil, implementamos esquemas de substituição de importações para proteger os atores do mercado interno.
Na China ─ como também na Coreia do Sul ─ houve, sim, modalidades de substituição de importações, mas com o objetivo de exportar e competir globalmente.
A estratégia de nação comerciante ofereceu à China os recursos necessários para o investimento em áreas intensivas em tecnologia, onde hoje o país asiático é o número um. São os casos de dinheiro eletrônico (“e-cash”; “e-pay”), energias eólica e fotovoltaica, trens de alta velocidade ou inteligência artificial.
Se criatividade fosse o único critério a determinar os índices de inovação, provavelmente o Brasil faria a China comer poeira. Como estratégia, organização e escala falam mais alto, hoje no campo da inovação a China é líder. O Brasil, caudatário.