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Augusto Nunes

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Antonio Vieira: ‘Os mensaleiros não são meros bucaneiros: foram condenados pela prática de crimes contra a civilização’

ANTONIO VIEIRA O ministro Roberto Barroso quer banalizar as graves questões do mensalão equiparando-as às incivilidades costumeiras do nosso dia a dia. Francamente, sua leitura hermenêutica do cocô do cachorro não honra tão grande fama e talento alardeados no meio jurídico. Na história da humanidade há uma conduta recorrente, observável em todos os tempos e […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 05h36 - Publicado em 16 ago 2013, 19h02

ANTONIO VIEIRA

O ministro Roberto Barroso quer banalizar as graves questões do mensalão equiparando-as às incivilidades costumeiras do nosso dia a dia. Francamente, sua leitura hermenêutica do cocô do cachorro não honra tão grande fama e talento alardeados no meio jurídico.

Na história da humanidade há uma conduta recorrente, observável em todos os tempos e em todos os lugares: a tentativa de consumar a apropriação de bens e valores pertencentes aos outros. Tais bens e valores podem ser reais, tangíveis ou mesmo simbólicos e intangíveis. Riquezas materiais, mulheres, glória e honrarias já foram, e ainda o são, obtidas quer por meios lícitos quer por meios condenáveis. Porém, a repressão, maior ou menor, dos comportamentos repudiados permite configurar o estágio de civilização ao qual um determinado povo chegou. Subjacente a tal dinâmica está a cobiça do homem, cujos olhos nunca se satisfazem, tal qual o abismo e o inferno, que nunca se fartam (está lá nos Provérbios). Há exemplos sem fim.

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Esaú foi fraudado pela mãe e pelo irmão em seu direito à benção da primogenitura. Caim roubou a vida a Abel. Os romanos tomaram as mulheres dos sabinos. Lusitanos invadiram as terras dos nativos do novo mundo. Espanhóis saquearam a prata dos incas. Nazistas vilipendiaram cadáveres de milhões de judeus para lhes arrancar obturações de ouro. Multidões foram postas a ferros e trabalhos forçados na África. Crianças ainda são utilizadas como soldados em guerras insanas. Mulheres sofrem mutilações genitais e adúlteras continuam a ser lapidadas. A história da humanidade é, de fato, um relato cumulativo de toda espécie de infâmias, de crimes e de ignomínias. O barro de que somos feitos, definitivamente, não é bom. Mesmo se considerarmos os sonhos como a matéria prima fundamental (conforme queria Shakespeare), o elemento onírico fundante estaria, sim, mais próximo dos piores pesadelos.

Frente a esse museu de horrores, a única saída institucional digna é a democracia constitucional, com seu indissociável respeito aos direitos humanos universais. Este artefato político delicado e complexo, construído com o sacrifício de milhões de homens e inumeráveis gerações, é um patrimônio da raça humana. Não pertence a um povo ou a uma classe social específicos. A democracia constitucional é o maior dos bens que a inteligência humana, em que pesem todas suas limitações, conseguiu construir após milhares de anos sobre a superfície da Terra. É parte integrante do meio ambiente pelo qual tanto se luta para defender e preservar (confira o artigo 225 da Constituição Federal de 1988).

Não há sadia qualidade de vida em regimes políticos de natureza autoritária ou totalitária. Atentar, portanto, contra a democracia constitucional e seus fundamentos é um crime contra a humanidade e contra a civilização. Em bem da verdade, o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal deveria ser feito por um tribunal internacional, como o foi o tribunal de Nuremberg para os nazistas, dadas sua extensão e gravidade para a raça humana. Os mensaleiros não são meros bucaneiros, ou simplórios ladrões, que sempre existiram desde os primórdios dos tempos. Seus crimes são civilizatórios e ofendem o patrimônio ecológico da humanidade. Não reconhecer isso significará um retorno à barbárie e à selvageria.

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